
O medo dos efeitos da medicação, a falta de informação e a inexistência de um diagnóstico laboratorial que confirme o distúrbio são as principais causas da resistência dos pais em buscar tratamento medicamentoso para crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O resultado da combinação desses fatores é que dos 2,6 milhões de portadores do transtorno estimados no Brasil, apenas cerca de 15 mil são tratados corretamente. Dados da Associação Brasileira de Déficit de Atenção mostram que embora a venda de metilfedinato (medicamento usado no tratamento) tenha aumentado 940% entre 2000 e 2004, menos de 5% das pessoas com o problema está em tratamento.
O TDAH é um transtorno neurobiológico de origem genética que já foi acusado de ser uma invenção da indústria farmacêutica e até de servir como "muleta" para a má educação. Porém trata-se de uma alteração no lóbulo frontal, parte do cérebro responsável pela inteligência social e por avaliar conseqüências de nossas atitudes. Por isso, o portador de TDAH costuma ter comportamentos excessivos, agir impulsivamente, ser desatento, desorganizado e se expor a riscos. Pesquisas mostram que crianças com TDAH têm de 2 a 4 vezes mais chance de sofrer acidentes e 7 vezes mais chances de envenenamento.
Como ainda não existem exames laboratoriais que indiquem o trasntorno o diagnóstico é feito pela observação do comportamento da criança , é comum a culpa pelo comportamento dos filhos com TDAH recair sobre os pais. Entretanto, estudos já comprovaram que o ambiente de criação nada influencia no desenvolvimento do transtorno. Conforme explica o psicólogo norte-americano Russell Barkley, um dos maiores especialistas no assunto, autor de 23 livros sobre o TDAH, é a genética a principal responsável pelo desenvolvimento do transtorno. Filhos de pessoas com TDAH têm 56% de chance de ter o transtorno. Tanto que em aproximadamente 30% dos casos de crianças que chegam aos consultórios é necessário também tratar os pais.
A falta de um diagnóstico palpável faz com que os pais recorram a terapias alternativas antes de procurar ajuda especializada. Segundo Barkley, dúvidas sobre o uso da medicação também impedem que o tratamento seja feito de forma adequada. E quanto mais tarde o problema é tratado, maiores os prejuízos sociais, educacionais e psicológicos para a criança.
Segundo Barkley, até o momento já foram identificados cinco genes ligados ao TDAH. A estimativa é de que existam outros 15. Segundo o psicólogo, o conhecimento desses marcadores deverá permitir, no futuro, que as medicações sejam mais específicas.
Embora ainda não sejam tão individualizadas, as drogas atuais são capazes de atuar de forma eficaz. O metilfedinato, por exemplo, começa a agir uma hora depois de ser tomado. Apesar da eficácia, a medicação tem efeitos colaterais. De acordo com a neuropediatra Ana Chrystina Crippa, os mais comuns são perda do apetite, dores de cabeça e alterações no sono. Uma alternativa para diminuir os efeitos indesejáveis é cortar o medicamentos nos fins de semana e nas férias. "Não afeta o tratamento e nesses dias a criança vai se alimentar e dormir melhor", explica.
Esse efeito foi sentido no tratamento da filha da empresária Rosanete Alonso, Thais Santos. Há três anos, quando Thais tinha 8 anos, foi diagnosticado que a menina tinha TDAH. Mas a decisão para que ela passasse a usar o medicamento não foi fácil. "Você pensa um monte de coisas. Afinal, é uma droga que ela vai tomar", conta. A decisão só veio quando os prós e contras foram postos na balança. "A gente sempre ouve as dificuldades que essas pessoas passam, a exclusão social, a instabilidade nos relacionamentos".
Rosanete diz que desde pequena a garota era dispersa, não se mantinha muito tempo na mesma atividade, era agitada e chegava a ser agressiva. Pensando em tudo isso, a família resolveu começar o tratamento. "Ela melhorou muito. Na escola as notas melhoraram e durante as férias a gente suspende a medicação", diz.
Sintomas
Os especialistas também chamam a atenção para a importância do rigor no diagnóstico. Isso porque os sintomas do TDAH podem ser confundidos com o de outras doenças. A desatenção e a inquietude, por exemplo, podem ter origem em disfunções na tireóide ou em deficiências visuais e auditivas. Além disso, 80% das crianças com TDAH têm também algum outro transtorno.
Pesquisa que está sendo feita desde abril com alunos da rede municipal de ensino e que pretendia identificar crianças com TDAH, encontrou também casos de depressão infantil, desvio de conduta, oposição e deficiência mental leve. De acordo com a coordenadora da pesquisa, a neurocientista e especialista em transtornos neurocomportamentais, Maria Lúcia Cordeiro, 70 crianças que apresentavam baixo rendimento escolar foram encaminhadas ao Hospital Pequeno Príncipe, onde são avaliadas. Das 70, 20 foram diagnosticadas com TDAH. "Tivemos casos de crianças que não estavam indo bem na escola simplesmente porque tinham dificuldades de visão. Isso mostra que o TDAH nem sempre é a causa da deficiência no rendimento", afirma.
A jornalista viajou ao Rio de Janeiro para o III Congresso Internacional da ABDA a convite da Novartis.



