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Defesa militar

Tiros de canhão na Ilha do Mel

Fortaleza foi a principal proteção de Paranaguá contra piratas, franceses, espanhóis e ingleses

Veja como foi o episódio Cormorant |
Veja como foi o episódio Cormorant (Foto: )

Só havia um assunto na vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá naquele 7 de março de 1719: o navio pirata francês que vinha navegando nas imediações do porto havia naufragado depois de colidir com rochas na saída da baía. Dias antes, os corsários haviam tentado interceptar e saquear um galeão espanhol que vinha carregado de prata do Chile e pararia em Paranaguá para a compra de mantimentos. O galeão conseguiu escapar, mas a perseguição assustou os moradores. Afinal, se saqueassem o galeão, o que impediria os piratas de entrar na vila, protegidas por umas poucas espingardas?

A população se mobilizou: queria que a Coroa Portuguesa oferecesse proteção. Os clamores chegaram ao ouvidor Rafael Pires Pardinho, que pediu ao rei dom João V a instalação de uma fortaleza para proteger a baía. O pedido foi considerado justo pela corte portuguesa, mas entre as intenções da metrópole e as necessidades da colônia ia uma grande diferença.

Em um primeiro momento, o governo português enviou apenas duas peças de canhões que atiram pedras. Elas foram instaladas em uma ilha defronte à Ilha do Mel, que, por este motivo, recebeu, posteriormente, o nome de Ilha das Peças.

As negociações para a construção da fortaleza só ganharam fôlego após a elevação do Brasil a vice-reino e a transferência da capital de Salvador para o Rio. Em 28 de dezembro de 1765, uma reunião na Câmara de Paranaguá definiu o início das obras. O governador da capitania de São Paulo, Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, nomeou o primo, Afonso Botelho de Sampaio e Sousa, como responsável pela obra. A maior parte da verba e dos materiais para a construção veio da própria comunidade de Paranaguá.

Em 1770, a Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres estava concluída, com 12 peças de artilharia e um pequeno destacamento militar. Não demorou muito, porém, para que o projeto fosse criticado. Botelho Mourão foi substituído por Martim Lopes Lobo de Saldanha no governo da capitania. Um das primeira medidas do novo governador foi mandar inspecionar os fortes sob sua responsabilidade.

Os inspetores não pouparam críticas: tiros disparados contra o morro poderiam fazer com que grandes quantidades de pedra caíssem sobre o forte. Além disso, segundo inspetores, a fortaleza poderia ser facilmente tomada por terra, pela praia, ou pelas costas, com tropas inimigas vindas do Morro da Baleia. Com base nesses relatos, o governador classificou a fortaleza como "inutilíssima", em carta enviada ao marquês de Pombal (secretário de Estado de dom João).

Para o arquiteto e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Key Imaguire Júnior, a fortaleza não pode ser vista isoladamente das demais construções militares portuguesas da época colonial. "De maneira geral, as fortificações eram colocadas nos pontos de possíveis conflitos para servir de abrigo para navios da esquadra portuguesa", explica.

Para o historiador e pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Adler Homero Fonseca de Castro, apesar dos pontos fracos, a fortaleza cumpriu seu papel. "O objetivo era evitar ataques a Paranaguá. Isso ela fez. Durante a Guerra da Independência do Uruguai [1825-1828], a Argentina [que apoiava os uruguaios contra o Brasil] apreendeu ou afundou cerca de mil navios na costa brasileira. Nenhum deles perto de Paranaguá. A simples presença do forte amendrontava os inimigos."

Nossa Senhora dos Prazeres entrou em ação durante a Guerra dos Farrapos (1835-1854) e durante a Revolução Federalista (1839-1895). O episódio mais importante, no entanto, foi o conflituoso episódio Cormorant, quando se abriu fogo contra uma embarcação de bandeira amiga (britânica). O episódio provocou um mal-estar nas relações entre os dois países, foi considerado fundamental para a promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico de escravos no Brasil, e gerou recomendações da Coroa britânica para que seus navios de guerra não interpelassem embarcações brasileiras próximas a portos ou fortes.

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