"Leves como penas pousando no chão." Era assim que Oscar Niemeyer gostava de se referir às colunas do Palácio do Planalto, uma de suas obras-primas projetadas para Brasília. Na tarde de ontem, a criação e o criador voltaram a se encontrar quando o caixão com o corpo do arquiteto subiu a rampa do palácio e foi colocado no salão nobre, após ser carregado por oito cadetes da Polícia Militar do Distrito Federal. O gênio brasileiro, morto na quarta-feira, aos 104 anos, recebia sua última homenagem na cidade que imaginou e projetou.
Um avião cedido pela Presidência da República transportou 16 pessoas da família e o corpo do arquiteto. Dilma, que não falou com jornalistas, esperou o caixão ao lado da viúva de Niemeyer, Dona Vera. A esposa do arquiteto contou que, na terça-feira, Niemeyer disse que queria comer um pastel e tomar café. "Não saí de perto dele em nenhum momento, nem nos melhores, nem nos piores." Há alguns dias, Niemeyer havia dito à mulher que precisava deixar o hospital para continuar trabalhando. "Ele disse: Tenho que ir embora. Meus trabalhos estão atrasados."
Emocionada, Ana Lúcia, uma das netas de Niemeyer, perguntou: "Qual o legado de Niemeyer? A Catedral de Brasília? O Sambódromo do Rio? "Mais que a obra, acho que os conceitos, as ideias, a solidariedade dele, a preocupação com a justiça social", afirmou. Várias autoridades acompanharam a cerimônia, e cerca de 4,5 mil pessoas passaram pelo funeral.
Quando o caixão foi colocado no caminhão do Corpo de Bombeiros, por volta das 19h40, para seguir para a base aérea de Brasília, dezenas de populares cantaram o Hino Nacional espontaneamente. Ao retornar ao Rio, o corpo do arquiteto foi levado para o Palácio da Cidade, para uma cerimônia fechada. O velório aberto ao público ocorre na manhã de hoje. O enterro, às 17h30, no Cemitério São João Batista.
A presidente Dilma Rousseff declarou luto oficial de sete dias. Na única manifestação que fez sobre a morte do arquiteto, ontem, o governador do Paraná, Beto Richa, disse que Niemeyer foi "a expressão mais genial da arquitetura brasileira", e declarou luto oficial de três dias no estado.
Em Doha, no Catar, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, divulgou nota dizendo que a carreira de Niemeyer foi "excepcionalmente longa e ilustre." A repercussão da morte de um dos gênios brasileiros foi mundial, à altura de seu legado.
Uísque para voar
Algumas curiosidades sobre a vida e obra do maior arquiteto brasileiro
Nem pensar
Tão forte quanto a paixão de Oscar Niemeyer pela "curva livre e sensual" era sua resistência em andar de avião. Não era nada racional, como costumava dizer. Era só medo de andar nas alturas. Quando não tinha jeito, procurava coragem em doses generosas de uísque.
Ateu
Niemeyer também passava longe de celebrações religiosas. Mesmo tendo crescido numa família muito católica, daquelas que mandavam rezar missa em casa todos os domingos, deixou de acreditar em Deus quando se converteu ao comunismo: achava o mundo injusto demais para aceitar a existência divina.
Paradoxo
Ele era ateu, mas gostava de projetar igrejas e catedrais e templos. "O prazer que sinto em ver uma obra bem realizada é muito menor do que a importância que lhe dão aqueles que vão frequentá-la, pois ali acreditam estar perto de Deus."
Muitas curvas
A Igreja da Pampulha, construída na década de 40, só foi reconhecida oficialmente pela Igreja Católica em 1959. Suas curvas ousadas causaram bafafá em Roma.
Aqui não
Nos anos 70, Niemeyer foi escolhido para projetar um centro de convenções em Miami. Mas os Estados Unidos, no meio da Guerra Fria, negaram o visto ao comunista.
O MAIOR
Em pelo menos 70 anos de carreira, Oscar Niemeyer projetou obras indiscutiveism no Brasil e no exterior
