
Foz do Iguaçu e Curitiba estão no mapa do tráfico internacional de pessoas no Brasil. É pelos aeroportos da cidade fronteiriça e da capital que passam a maior parte das mulheres aliciadas pelas quadrilhas internacionais no Paraná, segundo a Polícia Federal (PF). O destino são países da Europa (Portugal, Espanha e Itália) e América do Sul (Chile).
O delegado da PF responsável pelas investigações de tráfico de pessoas no Paraná, Flúvio Cardinelli Garcia, diz que denúncias sobre o embarque de vítimas aliciadas pelas quadrilhas chegam com frequência. Os casos atendidos são de mulheres de 20 a 30 anos, de boa aparência física, iludidas por ofertas de emprego no exterior. Algumas delas sabem que estão sendo recrutadas para se prostituir, mas se surpreendem ao serem escravizadas e terem o passaporte retido. "Algumas pensam em voltar, mas tornam-se escravas sexuais", diz Garcia.
No Sul do país, o Paraná é o estado com o maior número de inquéritos abertos por tráfico de pessoas, entre 1990 e 2009, segundo a PF. São 39, contra 6 em Santa Catarina e 28 no Rio Grande do Sul. No Brasil, o crime é mais incidente em Goiás, onde no mesmo período foram instaurados 143 inquéritos. Entre 2004 e 2009, a PF fez 18 operações para combater o tráfico de pessoas. As ações resultaram em 138 prisões, no Brasil e no exterior.
Rotas regionais
Na Tríplice Fronteira, o tráfico envolve brasileiras, paraguaias e argentinas. A polícia já identificou quadrilhas que levam argentinas a Santa Catarina e brasileiras ao Paraguai. Na mão inversa, paraguaias entram no Brasil para serem levadas para a Espanha, via Foz do Iguaçu.
Para burlar a fiscalização nas aduanas, os aliciadores usam os rios Paraná e Iguaçu. A qualquer momento é possível fazer uma travessia de barco, que dura dez minutos, do Paraguai para o Brasil ou para a Argentina.
Nos últimos meses, o Consulado Brasileiro no Paraguai atuou, junto com a polícia local, em duas situações de resgate de adolescentes brasileiras em colônias brasiguaias. Uma na cidade de San Alberto e outro, mais recente, em Los Cedrales. Duas adolescentes de 13 anos, em situação de risco, foram trazidas para as famílias em Foz do Iguaçu. O delegado da PF em Foz do Iguaçu, Reginaldo Batista, diz que a polícia encontra dificuldade para atuar na fronteira em razão da falta de denúncias.
Quando resgatadas, as aliciadas pelas quadrilhas encontram refúgio em ONGs. Kiara Heck, psicóloga especializada no atendimento de vítimas, diz que os casos atendidos, inicialmente, envolvem prostituição, dependência química e violência. No entanto, ao se investigar com mais profundidade a situação da vítima, é comum caracterizar a prática do tráfico humano. "Muitas vezes elas não se consideram vítimas", diz Kiara.
Geralmente, as mulheres caem na rede do tráfico a partir de uma falsa promessa de emprego ou de relacionamentos afetivos com aliciadores. Para Kiara, é necessária mais atenção do poder público no atendimento às vítimas. Hoje parte deste papel é cumprido pelas ONGs.
Seduzida por falso namorado
Aos 16 anos, Flor de Lis (nome fictício) apaixonou-se por um homem gentil e galanteador. O namoro foi marcado por muito carinho e flores. Um dia, o namorado a convidou para conhecer um local de praia. Lá, Flor de Lis fez passeios, divertiu-se e foi levada a uma festa, em um lugar que ficava em uma montanha. Ao chegar, a menina deparou-se com mulheres tristes e vestidas com roupas vulgares. Ao subir uma escadaria, foi agredida por um homem e trancada em um quarto. Lá foi obrigada a consumir drogas e fazer seu primeiro programa.
Ela diz ter ficado anos sem contato com o mundo externo e quando conseguiu se livrar dos traficantes, teve muita dificuldade de encontrar ajuda. Hoje, aos 45 anos, Flor de Lis faz tratamento contra a aids e dependência química.



