Foz do Iguaçu - Vitória*, de 20 anos, vivia em uma cidade do Oeste do Paraná quando recebeu um convite de uma prima que marcaria para sempre sua vida. Com o intuito de ganhar o próprio dinheiro e ser independente, aceitou um trabalho "fácil" no interior do Paraguai, mas não imaginava que encontraria a escravidão. Lá, foi forçada a se casar com um homem que a agredia e a explorava sexualmente, obrigando-a a fazer programas para ficar com o dinheiro. Dois anos depois, suplicou a um cliente para ajudá-la a fugir. Assim, conseguiu ser resgatada e hoje, aos poucos, tenta retomar a vida.
O caso Vitória não é um enredo de filme latino-americano. Na região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina é algo comum e caracteriza o tráfico de pessoas, versão moderna da escravidão, que movimenta US$ 32 bilhões ao ano em todo mundo, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Uma rede criminosa seduz, engana, explora e com o passar do tempo descarta mulheres e adolescentes, à medida em que não servem mais. É dessa forma que muitas delas acabam nas ruas e caem de vez na dependência química.
A barbárie rende aos aliciadores cifras de US$ 500 a US$ 5 mil por pessoa traficada, conforme o destino e o objetivo da exploração. A fiscalização deficiente nas aduanas e rios somada à falta de atenção para o problema por parte das autoridades locais e federais acabam estimulando a ocorrência do crime nos três países. "Todos os dias passam jovens brasileiras para o lado paraguaio e paraguaias para o Brasil. Nosso controle migratório na fronteira praticamente não existe para a passagem de pessoas", diz a Coordenadora do Projeto de Atenção Integral às Vítimas de Tráfico na Tríplice Fronteira pela Organização Internacional de Migrações (OIM), a paraguaia Celina Duarte.
Rota fluvial
É no ponto de encontro de Brasil, Paraguai e Argentina, na junção dos rios Paraná e Iguaçu, que os traficantes conseguem transpor a fronteira. Essa rota fluvial é usada quando eles se deparam com dificuldades para passar pelas aduanas com meninos e meninas de até 18 anos, ou quando não têm os documentos das mulheres maiores de idade que estão sendo traficadas. Para vencer a barreira, a rede criminosa recorre a embarcações que partem diariamente da cidade paraguaia de Porto Franco, vizinha a Ciudad del Este, em direção à Argentina. Outro truque usado para driblar a fiscalização é cruzar a Ponte da Amizade, onde a vistoria em veículos é só por amostragem, levando adolescentes escondidas em vans e ônibus.
Quando se trata de mulheres com mais de 18 anos documentadas, a situação é mais fácil. Mesmo acompanhadas de aliciadores, elas passam com tranquilidade pelas aduanas situadas entre o Brasil e a Argentina. Basta apresentar a carteira de identidade. "Se você tiver mercadoria eles (os fiscais) vão te parar, mas se não tiver e a pessoa apresentar a identificação, não tem problema", diz a psicóloga Kiara Heck, que atende vítimas do tráfico. Dos casos que ela atendeu, nenhuma vítima desse esquema precisou forjar documentos para cruzar a fronteira.
Na avaliação de Celina, não há investimentos suficientes para conter o problema, em especial no Brasil. "No lado brasileiro existe uma resistência por parte das autoridades em ver a situação do tráfico de pessoas. Muitas instituições que trabalhavam com o combate à exploração sexual hoje não contam com apoio governamental [não recebem verbas municipais] e está difícil trabalhar", diz.
Boa parte das vítimas é enganada com promessas de falso emprego. Mas há mulheres e adolescentes que aceitam ofertas para atuar no mercado do sexo, caso de Vitória. No entanto, elas não imaginam que poderão viver em regime de semiescravidão ou terão de ficar presas em prostíbulos ou residências.
* Vitória é nome fictício de uma vítima de tráfico humano. Ela foi resgatada e escreveu sua história durante sessões terapêuticas. Os detalhes não podem ser revelados porque ela está em processo de recuperação



