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Entrevista

Um mundo sem fronteiras para a ajuda humanitária

Alexandre Jaccard, ortopedista e voluntário dos Médicos Sem Fronteiras

“Você dá um pouquinho para quem não tem nada e tem reconhecimento. É muito gratificante profissionalmente e pessoalmente e fica a ideia de tentar ser uma pessoa mais prestativa, atenciosa, simples.” | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
“Você dá um pouquinho para quem não tem nada e tem reconhecimento. É muito gratificante profissionalmente e pessoalmente e fica a ideia de tentar ser uma pessoa mais prestativa, atenciosa, simples.” (Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo)

Doar tempo, trabalho e talento para vítimas que lutam para sobreviver a desastres naturais, fome, conflitos e epidemias. É essa a causa dos cerca de 26 mil profissionais da Médicos Sem Fronteiras (MSF), uma organização médico-humanitária internacional que já recebeu o Prêmio Nobel da Paz e está completando 40 anos.

São médicos, cirurgiões, enfermeiros, administradores, psicólogos e profissionais de logística, espalhados por 60 países, trabalhando diariamente em situações caóticas. Atual­mente, 100 brasileiros fazem par­­te desse time e 50 deles estão em alguma missão. O cirurgião ortopedista Alexandre Jaccard, que há um ano e meio mora em Londrina, já participou de duas missões – no Haiti, em 2010, após o terremoto que destruiu o país, e na guerra civil na Costa do Marfim, há dois meses. Foram cerca de 20 dias em cada país. Agora, ele pretende recrutar novos profissionais.

A experiência de Jaccard e de outros brasileiros pode ser conhecida, por meio de fotos e vídeos, na exposição "Experiências de Vida", aberta ontem no Shopping Palladium, em Curitiba. Veja os principais trechos da entrevista de Jaccard à Gazeta do Povo.

Como era a rotina de trabalho nos países em que os Médicos Sem Fronteira atuaram?

Eu fazia o trabalho de cirurgião ortopedista e ficava no centro cirúrgico praticamente o dia inteiro. De manhã, eu passava para ver os casos que precisavam de cirurgia. Eu tinha uma programação prévia e passava para confirmar essa programação. Trabalhava o dia todo, até 17h30 ou 17h45, porque às 18 horas a gente tinha que pegar um carro e voltar para a sede. Tinha horário e era bem restrito. Apesar do respeito e da segurança que a gente sente, tem regras muito claras que são respeitadas. Ninguém circulava à noite, sempre andava identificado, com o grupo, nos carros da MSF. Mas nunca tivemos problemas.

Existe uma seleção para ser um dos Médicos sem Fronteiras?

Você entra no site, responde algumas perguntas, uma espécie de um "quiz". Se você se encaixar no perfil, é convidado a mandar um currículo. Com o currículo, a pessoa manda um e-mail falando da motivação para esse trabalho. Os selecionados são convidados para entrevistas individuais e em grupo no Rio de Janeiro, para ver se tem perfil de trabalho em grupo.

Qual foi a sua motivação?

Eu sempre tive o sonho de fazer parte de missões de ajuda humanitária, é um sonho desde antes da faculdade. Vendo vários povos em sofrimento, com fome, com doenças e epidemias, a ideia é tentar ajudar o próximo de alguma maneira.

O que era mais difícil ao trabalhar nessas circunstâncias?

No Haiti, tinha uma carga psicológica bastante grande porque eu fui logo após o terremoto. Tinha o sofrimento de muitas pessoas e a gente via que não dava conta de atender todo mundo. Isso era o mais difícil, ver o sofrimento das pessoas que a gente não conseguia atender e ver milhares de pessoas sofrendo, por exemplo, com sede. Cerca de 30% da população não tem acesso a água potável lá. É o contexto geral. Um país já muito sofrido que, ainda por cima, passou por uma catástrofe natural.

E na Costa do Marfim?

A parte mais difícil, para mim, como ortopedista, era a falta de um lugar, um hospital onde eu pudesse dar um tratamento definitivo porque, pelas condições nos locais onde a gente trabalhava, por questões de segurança ao paciente e de higiene até, nós não fazíamos nenhum tratamento definitivo, que seriam placas e pinos internos. Nós fazíamos fixadores externos, que é um excelente tratamento, mas muitas vezes não é o definitivo.

Vocês tinham todas as condições técnicas para atender os pacientes?

Como especialista, eu gostaria de poder fazer mais, mas nós fazíamos um grande trabalho. Eram de seis a oito cirurgias por dia na Costa do Marfim. No Haiti, chegava a 10 ou 12 cirurgias. Não tínhamos as condições de, como especialistas, fazer tudo o que a gente gostaria, mas fazíamos todo o tratamento de urgência e emergência e, muitas vezes, também o tratamento definitivo. Para alguns pacientes isso não era suficiente.

Tem alguma história, algum paciente que marcou?

No Haiti, tinha uma moça que eu atendi todos os dias. Ela ficou sob os escombros por três dias sem comer, sem tomar água e com uma fratura no fêmur. A pressão com o cimento fez uma ferida enorme nas costas dela. E apesar desse sofrimento era uma pessoa que tinha um sorriso no olhar, que estava feliz por estar viva.

Em algum momento teve medo por estar lá?

Medo não. No começo tive uma certa apreensão, mas logo vi que os Médicos Sem Fronteiras têm um respeito muito grande da população, tanto no Haiti quanto na Costa do Marfim. Nós andamos sempre identificados com camisetas, o carro com adesivos do MSF, e as pessoas viam os carros e as camisetas e sorriam, agradeciam. Na verdade passa a ser até acolhedor.

Pensa em repetir a experiência?

Todo ano. Eu falei isso no ano passado, no Haiti. Por enquanto estou mantendo.

O que volta na bagagem depois de um trabalho como esse?

Um enorme crescimento pessoal, no sentido de dar mais valor às pequenas coisas da vida e à gratificação dessas pessoas. Você dá um pouquinho para quem não tem nada e tem reconhecimento. É muito gratificante profissionalmente e pessoalmente e fica a ideia de tentar ser uma pessoa mais prestativa, atenciosa, simples.

É uma experiência que você sugere a outras pessoas?

Aconselho muito, quem tem interesse em participar de ajudas humanitárias que o faça através da MSF, procure o site. E para quem não for pessoalmente é um excelente lugar para doações, a MSF depende disso. Fica o convite para conhecer o trabalho e sentir a confiança de que é um trabalho correto, bonito, que dá frutos.

E como é a experiência da exposição?

O objetivo principal da nossa participação é o contato com o público, aproximar as pessoas. Muitas pessoas já tiveram o sonho de ajudar mas não tiveram contato, não conseguiram informações, não foram atrás. A MSF tem essa proposta de levar esse contato de alguém que já foi e que pode passar essa experiência, porque muitas pessoas têm medo. Se alguém for para uma missão influenciado por uma conversa comigo, vou ficar muito feliz. A expectativa é de trazer mais pessoas para a família MSF Brasil, que está crescendo.

Serviço:

A exposição "Experiências de Vida" foi aberta ontem na praça de eventos do Shopping Palladium, em Curitiba (Avenida Presidente Kennedy, 4.121). A exposição fica em cartaz até o dia 13 de agosto e as visitas monitoradas acontecem de terça a sexta-feira, das 15 às 21 horas, e nos fins de semana das 12 às 20 horas. Acesse o site da MSF no Brasil: www.msf.org.br

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