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Bomba escolar

Uma escola que mete medo

Taxas de reprovação estacionam na casa dos 13% e atestam força da cultura da repetência

Grevistas dos Correios fizeram passeata pelo centro de Curitiba | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Grevistas dos Correios fizeram passeata pelo centro de Curitiba (Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)

No final do ano passado, a estudante Stephani Falkevicz, 12 anos, aluna da Escola Municipal Erasmo Pilotto, no Atuba, decidiu pregar uma peça nos seus pais. Emocionada ao saber que tinha passado de ano, ligou para casa, aos prantos, dizendo ter sido reprovada. A reação foi a esperada – uma família toda à beira de um abismo. "Aproveitei que estava chorando de felicidade para saber como eles iam reagir", diverte-se a garota com a traquinagem.

Os colegas de classe de Stephani não chegaram a tanto, mas são capazes de imaginar cada palavra que ouviriam em casa caso reprovassem. São ameaças do tipo "você agora terá de trabalhar para comprar seus cadernos" ou "vai apanhar e ficar de castigo." Pode não ser muito recomendável do ponto de vista pedagógico, mas a ira dos pais tem lá suas virtudes – mostra que eles ainda se preocupam com o desempenho escolar dos filhos.

Nem sempre é o que acontece. "A gente sente o descaso de muitas famílias na hora de pegar as crianças na escola. Tem quem se esqueça de vir buscá-los na saída. Que dirá no resto", lamenta a diretora da Escola Erasmo Piloto, Janete Luiza Araújo, 37 anos. Em uníssono com outras tantas educadoras e conselheiros tutelares ouvidos pela reportagem, a diretora entende que o drama da reprovação passa pela escola, onde a cultura da repetência criou raízes, mas também pelo pouco caso dos pais com os estudos.

O resultado dessa dobradinha é de tamanha monta que o Brasil já cria musgo entre os campeões do fracasso escolar, na companhia do Gabão e do Nepal. De acordo com Censo de Educação Básica 2006, a repetência chega a 13% no ensino fundamental e a 11,5% no ensino médio. No Sul, chega a 13,9%, e 14,5%, respectivamente, as maiores média de reprovação nacional. Aparentemente modestos, os números de reprovação tornam-se monstruosos ao se somar ano após ano. É quando se descobre que a escola, de espaço de ensino, transforma-se em área de exclusão para até metade dos que passam por seus portões.

Basta lembrar que, de acordo com o mesmo censo, dos 33,3 milhões de matriculados no fundamental, menos da metade – 8,9 milhões – vai chegar ao ensino médio. Um funil dessa bitola só pede uma coisa: medidas urgentes para conter a repetência e o estrago que causa na auto-estima dos alunos. Seria injusto, contudo, dizer que a escola está vendo a banda passar. Desde o início da década de 90 o debate sobre a repetência galopante do Brasil monopoliza o debate educacional.

Um dos remédios encontrados por muitos municípios foi substituir o tradicional sistema de divisão em séries pelo de ciclos. Em Curitiba, o sistema foi adotado em 1999, mas surgiu nas escolas do estado em 1988. Hoje, a retenção nas 171 escolas do município está na casa dos 3,81%, mas pode chegar a 6% em regiões mais pobres da capital. Pelo sistema de ciclos, o educando tem até dois anos por etapa para responder aos programas de aprendizagem. A repetência, caso seja necessária, passa pela análise de um conselho.

Antibomba

As medidas saneadoras não param por aí. Um dos alvos é a malfadada 5.ª série, na qual as probabilidade de repetência se multiplicam, chegando a 16,5%. Motivos não faltam: a 5.ª coincide com a entrada na puberdade, com a troca de escola, com a profusão de até oito professores na grade, cada um com uma disciplina e desenvolvendo poucos vínculos com os alunos. Eles estranham e, como se sabe, chegam a reprovar.

Para evitar a já chamada "bomba", a Secretaria de Estado da Educação (Seed) editou uma espécie de cartilha em oito volumes e distribuiu nas escolas municipais – justo as que ficam com a criança de 1.ª a 4.ª. Ali, listou-se os conteúdos essenciais para se chegar à 5.ª série. A unificação – recém-implantada – pode ajudar a desmontar a arapuca montada a cada vez que se troca de escola.

No município de Curitiba, a operação 5.ª série inclui o sistema de co-regência – o acréscimo de um professor em sala para acompanhar na leitura e nas operações básicas.

Mas que não se espere encontrar ninguém batendo palminhas, achando ter encontrado o caminho das nuvens. Não é raro cruzar com quem diga faltar queimar muita lenha até que se derrote o monstro da repetência.

É o caso da educadora Nara Salamunes, 45, diretora do Departamento de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação. Mesmo comemorando taxas de repetência baixas para os padrões nacionais, na casa dos 3,81%, ela entende que se pode minorar o drama da repetência e do abandono, mas ainda resta o desempenho sofrível dos que passam. "A média do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) ainda é baixa. Chegamos a 50% do que se esperava. Precisamos que saia do segundo ciclo lendo e tirando informações implícitas", alerta, sobre o cânion que ainda separa o ensino dos resultados.

Nas escolas do estado, a sirene já tocou. Dos 2,1 mil colégios da rede paranaense, 10%, 210, integram de um programa emergencial de recuperação. Os estabelecimentos foram identificados pelos índices de reprovação, distorção idade/série, principalmente depois que os resultados da Prova Brasil deixaram o boletim de alguns colégios no vermelho. "Há escolas que chegam a 30% de evasão/reprovação. São cerca de oito em Curitiba, mas a concentração é maior em cidades com baixos Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), explica a educadora Yvelise Arco-Verde, superintendente de Educação da Seed.

Yvelise prefere não divulgar a identidade das escolas para não expor as crianças e professores. Mas adianta que o arrastão vai incluir criação de contraturnos, programas especiais de gestão, impulso à prática de esportes e aos cursos de língua estrangeira. "A criança com dificuldade de aprendizagem não está prevista nos manuais didáticos. O sistema ainda é seletivo. A escola ainda reproduz a exclusão da sociedade", finaliza – como num manifesto à moda antiga. Eles ainda são necessários.

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