
Graças à faca o homem se tornou um ser civilizado. O objeto cortante permitiu a limpeza da caça e dos peixes. Também virou acessório para higiene pessoal: raspar os pelos, tirar a sujeira debaixo da unha, cortar tecidos para se vestir. Não há hoje quem negue os benefícios dela: seria difícil pensar em alimentação sem faca. Seu uso simplista, ou seja, o ato de cortar, permitiu que ela avançasse no tempo e nas mais diferentes sociedades. Por isso mesmo, hoje esse utensílio virou objeto de estudo entre historiadores e cuteleiros (profissionais que produzem facas artesanais).Antigamente, era comum ver os homens ocidentais portando uma faca na cintura afinal, era um acessório pessoal indispensável. No livro Ritual do Jantar, a escritora Margaret Visser conta que, ainda no século 6º, foi criada a regra de São Benedito: ela exigia aos monges ir para a cama vestidos e prontos para a manhã seguinte, mas aconselhava-os tirar as facas dos cintos para não se ferirem durante a noite.
Também era de praxe cortar os alimentos em restaurantes e na casa de amigos com a faca que era carregada na cintura. "Na Idade Média, somente os nobres tinham facas especiais para comer e as levavam quando, via de regra, não se esperava que os anfitriões fornecessem talhares aos convidados", relata Margaret no livro. O mestre cuteleiro Peter Hammer, que confecciona facas para o Bope, batalhão de elite da polícia fluminense, lembra ainda que houve uma época em que a faca foi considerada um símbolo da nobreza: somente alguns membros da corte ou militares tinham o direito a posse. "A espada, por exemplo, era um presente ofertado quando alguém se formava, subia de posto ou recebia um título nobre. É como se ela consagrasse esse registro", explica Hammer.
Foi graças à alimentação que as facas evoluíram, ganharam novos formatos e tecnologias. Margaret narra uma passagem interessante da história em seu livro. "O cardeal francês Richelieu ficou tão horrorizado de ver um homem palitando os dentes com uma faca que ordenou que todas as lâminas em sua igreja tivessem as pontas raspadas até que adquirirem extremidades arredondadas." Tornou-se ilegal, na França, usar facas pontudas. Outros países seguiram a mesma regra. Somente mais tarde é que a faca com ponta voltou à mesa, como instrumento para o corte de carnes.
O material usado na fabricação de facas também precisou evoluir. Antes da invenção do aço inoxidável, por volta da década de 20 do século passado, acreditava-se que o metal da lâmina estragava o sabor do peixe por causa do limão. Então, foram criadas as facas de prata.
No Oriente, conforme explica o mestre cuteleiro Flavio Duprat, a organização governamental do Japão chegou a proibir a população de usar facas, porque essas deveriam pertencer apenas aos samurais. "Então, como o povo iria se defender dos feudais e samurais de má índole? Decidiram criar as artes marciais e usaram, nas lutas, instrumentos agrícolas, como os bastões compridos que eram das canoas", afirma Duprat. Hoje, os japoneses usam facas de tanta qualidade que, em apenas uma batida, o filé de peixe se corta sem se despedaçar.
Os índios também tiveram na faca um status social: davam comida aos exploradores do Brasil em troca de uma peça. Em algumas tribos, apenas os caciques poderiam guardar a lâmina, como uma marca da hierarquia.
Até mesmo o conquistador francês Napoleão Bonaparte não se rendeu aos encantos da faca, conforme conta Duprat. Reza a lenda que Bonaparte viu um sargento esfaqueando um salame com um canivete Laguiole, o que o impressionou, por causa do poder de corte. "Dizem que ele perguntou ao sargento sobre a faca e esse respondeu que era usada para tudo, até para cortar algumas gargantas. A partir desse dia, Napoleão ordenou que todo soldado deveria portar uma lâmina como aquela. Ferreiros da época fizeram diversas peças para o exército de Napoleão", conta Duprat.
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Serviço
Informações sobre cursos de afiação e cutelaria podem ser obtidas no site www.flavioduprat.com.br e solicitadas pelo e-mail peterhammer4@hotmail.com.



