A cada ponto que faz com a agulha de crochê na mão, os pés dão a ginga: ao som de Bob Marley, Donizete Pedro dos Santos se perde em meio a fios de cabelo que vão ganhando a forma de dreadlocks. Primeiro vem a agulha grossa de costura com a linha para dar os pontos iniciais, depois, a agulha de crochê e um pouco de cera fazem o resto do serviço. Os fios de cabelo juntos, unidos por uma goma, começam a ganhar forma. Parece um trabalho pesado e cansativo.
Não para Donizete, conhecido como O Rasta. Quase quinquagenário os 50 anos chegam em março do ano que vem , Rasta é um cabeleireiro às avessas. Ao invés de usar a prancha para alisar fios rebeldes, um dos maiores pedidos atualmente em salões de beleza, o que ele faz é deixar tudo "enosado". O resultado, depois de pelo menos seis horas de trabalho, costuma ser uns 80 rolinhos de cabelo em apenas uma cabeça.
O salão, de poucos metros quadrados, fica no Centro de Curitiba. Começou ali nos idos dos anos 2000, timidamente, mas as bandeiras coloridas (amarelo, vermelho e verde), as fotos do cantor e compositor Bob Marley e o dizer logo na fachada "Rastafári é um caminho. Honre o seu" não deixam mais ninguém passar por ali sem perceber que na Rua Nilo Cairo existe uma pequena Jamaica, que contrasta muito com o que é Curitiba. "Pensei na decoração. Não ficou style?", dispara Donizete.
O salão funciona das 8h30 às 2 horas da madrugada e, segundo Donizete, passam por ali cerca de 150 pessoas por dia. Umas curiosas para saber como enrolar o cabelo e outras já decididas a transformar as madeixas. Os clientes se entregam à arte feita por Donizete. Não por menos. Orgulhosamente, ele bate no peito e diz que pelo menos 20 mil cabeças com dreadlocks circulando pelo mundo passaram pelas mãos dele.
O cliente mais novo tem 6 anos e a mais velha, uma senhora mesmo, tem 68 anos. "E ela continua com os dreads. Curtiu pacas", diz. O recorde de Donizete foi fazer dreads que ficaram com 1,8 metro de comprimento, em um rapaz que vive em Curitiba. "Os dreads ficam a um palmo do chão. São muito irados", elogia.
Lema
Para muitos, o cabelo enfeitado com dreadlocks é moda, sinal de rebeldia ou ainda uma oportunidade para mudar a curto prazo o visual. Para pessoas como Donizete, é um lema de vida. "Sofremos muito preconceito. O ser humano ainda julga pela aparência. Isso não deveria mais existir. Os dreads são um símbolo de protesto contra essa vida material", desabafa. Além de ficar com os olhos cheios de lágrimas quando fala de Bob Marley o cantor que exaltou que a destruição da alma é a vaidade hoje existe outro assunto que deixa Donizete emocionado. A possibilidade de um dia poder se juntar aos seus, num lugar chamado Jamaica.
Vida e Cidadania | 3:04
No Centro de Curitiba, um salão atrai a atenção de quem passa: bandeiras jamaicanas e o som do reggae embalam as mãos ágeis de Donizete, uma espécie de cabeleireiro às avessas, que ao invés de alisar, deixa tudo "enosado" com seus dreadlocks.



