
Em um levantamento sobre os prédios históricos da Rua Saldanha Marinho, em Curitiba, alunos de arquitetura da Universidade Tecnológica Federal do Paraná podem ter chegado a uma resposta que até hoje nem a prefeitura e nem pesquisadores conseguiram dar: por que uma quadra em uma região central e com o metro quadrado tão caro da capital paranaense é frequentada apenas por pombas, drogados e aqueles que ali querem aliviar as calças? O descaso de hoje com os poucos metros do início da Saldanha Marinho teria explicação histórica: uma funerária que existiu na esquina e vários açougues que se estabeleceram por ali. Os dois tipos de comércio, no início do século 20, eram temidos por lidar com a morte. Por isso teria afastado a população da região que, culturalmente e por gerações, acabou se distanciando da região. "Ser açougueiro era uma profissão maldita. Tanto é que o dono do açougue que ficava aos fundos da funerária, o senhor Júlio Garmatter, construiu depois o nomeado Palácio São Francisco [hoje Museu Paranaense] para marcar posição na sociedade", conta o arquiteto Humberto Mezzadri, professor da Universidade Federal do Paraná.
Carpideiras
Não há comprovação documental, mas dizem que exatamente neste trecho também passavam as carpideiras, senhoras que tinham por profissão rezar pelos que haviam morrido. "Se chegou a esta possibilidade porque a funerária ficava por ali, então elas poderiam passar para fazer suas rezas", conta a arquiteta Giceli Portela, que coordena os alunos na pesquisa arquitetônica e histórica.
Some-se ainda aos fatos fúnebres a descoberta de ossadas de seres humanos encontradas no início da Saldanha Marinho quando da demolição da primeira Catedral de Curitiba, em 1875 a população costumava ser enterrada dentro ou ao lado da igreja. Hoje, o pequeno trecho continua tendo açougues (pelo menos dois) que ganharam a companhia de prostíbulos e restaurantes duvidosos. Apesar de não existir mais a crença de que açougue e funerária são lugares "malditos", só recentemente por ali abriu um armazém de comida árabe que pode ser a esperança de dias menos assombrados: a população, ainda que timidamente, tem ocupado a quadra, colocando um fim na prática dos mais antigos, de se afastar daquele local.
Açougues dentro da cidade eram um problema
Por volta de 1853, a imprensa de Curitiba já registrava a insatisfação da população, inconformada com os abates de gado que ocorriam nos açougues de dentro da cidade. Por causa disso, Manoel Ribas, em 1928, abriu um edital para criar o Matadouro Modelo de Curitiba que, um ano depois, já estava funcionando no Atuba (hoje Copel). "Era uma época em que não havia como congelar a carne, então era preciso matar o gado e, em seguida, vender os pedaços. Caso contrário, ela apodrecia", explica o arquiteto Humberto Mezzadri. Junto com a historiadora Elizabete Amorin de Castro e a antropóloga Zulmara Posse, ele lançou o livro O Matadouro Modelo, pela Fundação Cultural de Curitiba.
Carroça
O açougue de Garmatter, que funcionava atrás da funerária de luxo, também tinha alguns produtos processados, como presunto. "Ele tinha uma chácara com criação de suínos onde hoje é o Bosque do Alemão e uma outra de criação de gado perto da atual cruz do Pilarzinho. A carne abatida nesses locais chegava a Curitiba via carroça, em caixões com gelo", explica Mezzadri. Porém, o matadouro e açougue do Guabirotuba, que ficava dentro de Curitiba e foi criado em 1899, funcionou clandestinamente na cidade até a década de 1970. Mezzadri lembra ainda que, apesar de ser considerada uma profissão maldita, os açougueiros fizeram grandes fortunas porque tinham de saber comprar um boi barato para revendê-lo morto e a bom preço. Ou seja, eram, acima de tudo, excelentes empresários.



