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Educação

Uma utopia que entrou no mapa

Projeto Vila da Cidadania transforma “cidade mirim” em centro de experimentação pedagógica. Espaço tem potencial para mudar a vida de alunos

Participantes da Vila da Cidadania: fanfarra e músicas próprias | Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Participantes da Vila da Cidadania: fanfarra e músicas próprias (Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo)
Jhones Garcia ensina português a haitianos na Vila da Cidadania |

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Jhones Garcia ensina português a haitianos na Vila da Cidadania

Um dos mais de 20 pequenos prédios da cidade-mirim, usados para oficinas |

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Um dos mais de 20 pequenos prédios da cidade-mirim, usados para oficinas

Adolescente trabalha com recicláveis em oficina da Vila da Cidadania |

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Adolescente trabalha com recicláveis em oficina da Vila da Cidadania

Professor Marcos Rodrigues ensaia fanfarra numa das ruas da Vila da Cidadania |

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Professor Marcos Rodrigues ensaia fanfarra numa das ruas da Vila da Cidadania

Detalhe da fanfarra da Vila da Cidadania |

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Detalhe da fanfarra da Vila da Cidadania

Adolescentes preparam programa na Rádia Cidadania, uma das oficinas fixas do projeto |

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Adolescentes preparam programa na Rádia Cidadania, uma das oficinas fixas do projeto

O músico Marcos Rodrigues estuda instrumento durante intervalo de aula na Vila da Cidadania |

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O músico Marcos Rodrigues estuda instrumento durante intervalo de aula na Vila da Cidadania

Professor Eli, tendo ao fundo a paisagem da Vila da Cidadania |

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Professor Eli, tendo ao fundo a paisagem da Vila da Cidadania

Os professores Elival e Lúcio, à frente do projeto |

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Os professores Elival e Lúcio, à frente do projeto

As chamadas "cidades-mirins" dispensam apresentação. São o que o nome diz – ruas e praças, fórum e prefeitura, armazéns e farmácias, tudo distribuído em diminutos metros quadrados, erguidos desse modo para que crianças e adolescentes façam de conta que chegaram à vida adulta. Ali exercitam da civilidade no trânsito ao direito de voto. Aprendem a comprar na venda. Praticam a vida pública. Planejam o futuro.

INFOGRÁFICO:Confira o mapa da Vila da Cidadania

VÍDEO: Conheça a Vila da Cidadania

SLIDESHOW: Veja imagens da Vila da Cidadania

Em Curitiba, as "cidades-mirins" fazem escola há nada menos do que meio século. Duas delas dormem de pijama no imaginário local – a "cidadela" do antigo Colégio Lins de Vasconcelos (hoje Opet), no Bom Retiro; e a vilinha do "Maternal Nice Braga" (hoje CMEI), na Santa Quitéria. Há uma terceira, em Piraquara, de propriedade da BS Colway Pneus, construída para ser um playground educacional para os filhos dos funcionários. Foi assim até ser cedida em comodato à Secretaria de Estado de Educação para abrigar um "reforço escolar". É quando começa essa história.

"Na briga"

Em 2012, o biólogo e químico Lúcio Ferracin e o professor de Língua Portuguesa Elival do Couto Souza, o Eli, foram convidados a fazer uma visita técnica à "cidade em miniatura da BS Colway". É comum os dois serem chamados a dar pitacos em projetos novos. Têm autoridade para tanto: ambos são egressos das unidades de ressocialização – que atendem meninos e meninas em conflito com a lei – e autores de uma experiência transgressora no Colégio Estadual Milton Carneiro, no Alto Boqueirão.

Pois o que era para ser uma consultoria de rotina mexeu com os juízos da dupla. Eli e Lúcio viram naqueles 30 mil metros quadrados, com jardins e 20 e tantos prediozinhos que pareciam saídos da aldeia Smurf, um terreno perfeito para uma educação sem espartilhos. Tiveram de trabalhar pesado para fazer valer suas propostas. "Do jeito que o local funcionava, não colava", resumem. "Decidimos mudar. Na briga."

Tiveram poucos meses para ganhar a parada. Uma madureza. Reviraram teorias pedagógicas. Esbaldaram-se em cima de planilhas. Enfrentaram serões e algumas negociatas com as cúpulas do governo. Dizem que valeu cada peça reunião, cada conversa. Em um ano de instalação, a ser comemorado em agosto, a Vila da Cidadania – seu nome oficial – saltou do vago conceito de "reforço" para candidata a similar paranaense da famosa Escola da Ponte, em Portugal.

Quermesse

À primeira vista, a Vila da Cidadania não tem nada que faria Paulo Freire sair para dançar. Os 1.856 participantes – entre 11 e 17 anos – vêm de 25 escolas (três delas em áreas de Unidades Paraná Seguro, as UPS), frequentam o local fora dos horários de aula, de manhã e de tarde. Podem escolher dentre as oficinas oferecidas, desfrutam de recreio na bem cuidada paisagem da "cidadezinha". Depois são devolvidos a suas comunidades, em três ônibus de filme americano. Têm a seu dispor 12 professores. O lanche é ótimo.

Seria um contraturno de luxo não fossem os participantes, em 100%, beneficiários do Bolsa Família e, quase na mesma proporção, às turras com o sistema de ensino. São maciçamente candidatos à evasão escolar, um risco que "despenca" a cada dia, graças a um capricho da direção: os gestores têm urticárias a dois tipos de práticas, oficinas desinteressantes e educadores desinteressados. O antídoto para que isso não aconteça é só um: "Saímos do quadradinho para ver como o aluno vive. Olho no olho. É isso", resume Eli.

Resumo da ópera, as oficinas têm a ver com os alunos e os alunos se acotovelam pelas oficinas. Compram o material ali mesmo, na "venda", com moeda própria, o "Real da Cidadania". O juro é de 1%. Há nota fiscal. Num dos cursos, aprendem a produzir materiais de higiene, como cremes e pastas de dente; noutro, integram a Rádio Cidad㠖 uma espécie de emissora de quermesse. Tem uma banda de música, um The Voice à sua maneira. E rodadas de soroban – santo remédio para quem experimenta as desventuras em série da matemática.

Como não são abertas mais de 15 vagas por turma, pode-se tentar uma colocação na horta ou mesmo na cozinha, ao lado dos funcionários, também conquistados para as fileiras do projeto. Quem pisa lá sente de imediato essa química. No mais, as ofertas, creiam, incluem oficinas tão distantes quanto golfe e capoeira – que gozam de preferência pau a pau. Se não houver nenhum grupo em que se alistar, fazer nada também vale: sempre tem um bicho-preguiça nas ruazinhas da vila. Fauna aplicada. Os distraídos também aprendem.

Com "sotaques" diferentes, professores fazem da Vila um grande laboratório

"Quando me perguntam se o que fazemos aqui é vanguarda, digo que sim", declara o professor Lúcio Ferracin, ao circular pela chácara de Piraquara onde funciona a Vila da Cidadania. A primeira impressão parece desmentir o dito. O local soa meio "careta". Mas, visto de dentro, o projeto nada tem de enfadonho.

A "culpa" é dos 12 professores chamados para conduzir a gurizada nessas "empreitadas de prazer". É divertido perguntar de onde eles vêm. Há educadores de cepas tradicionais, mas também agrônomos, um músico, um ex-executivo, um viajante.

Com milhagens tão diferentes, o grupo cria uma caixa de ressonância. Qualquer atividade tende a ganhar eco. O que é feito, rápido se democratiza. Há disciplina, mas nada que faça os que ali estão – muitos próximos de um borderline escolar – perguntarem que horas mesmo acaba a aula.

Em tempo, a vila tem capacidade para atender 3,5 mil adolescentes, mas só dispõe de três ônibus para buscar os alunos nas escolas. Os gestores buscam parcerias para aumentar a frota.

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