Quando se fala em educação de qualidade no Brasil, costuma-se idealizar uma escola com as melhores instalações, a melhor infraestrutura, os melhores professores. Mas isso não basta. "Temos de pensar não apenas na oferta de vagas, mas também em como criar demanda para essa oferta", diz o diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o especialista em economia da educação Marcelo Côrtes Neri. Ou seja, a escola brasileira tem vagas disponíveis, mas não consegue manter o estudante em sala de aula. O problema tem nome e tamanho. Chama-se evasão escolar e atinge quase 3 milhões de estudantes por ano no país.
Segundo Neri, nos anos 60 havia mais procura do que vagas disponíveis, o que explica o aumento da desigualdade social no país. Já nos últimos anos, a oferta educacional tem vencido a demanda. No entanto, a escola não tem atendido às expectativas. De acordo com o Ministério da Educação, a evasão escolar atinge 6,9% do ensino fundamental e 10% do ensino médio. Em números absolutos, 2,9 milhões de alunos abandonaram a escola em 2007. Muitos tentaram voltar nos anos seguintes, agravando o índice da distorção entre idade e série.
Conforme pesquisa da FGV, 40,3% dos jovens de 15 a 17 anos que abandonaram a escola o fizeram por falta de interesse; 27,1% por razões de trabalho ou renda; 10,9% por falta de oferta e 21,73% por motivos diversos (escola distante, falta de transporte, doença). Nessa faixa etária, a evasão escolar piora quando coincide a oportunidade com a necessidade de trabalhar. O estudo da FGV mostra que é em regiões ricas, quando a economia está mais aquecida, que esses jovens deixam a escola. O crescimento econômico tira o aluno da escola mais nas regiões ricas do país do que nas mais pobres, que não oferecem oportunidade de trabalho para os pais e os filhos.
A taxa de evasão escolar é de 19,43% em São Paulo, de 18,7% em Porto Alegre e de 10,69% no Rio de Janeiro. Quanto mais rica a região, mais oferta de trabalho ela terá, e, no caso de necessidade na família, é mais provável que o aluno dessa localidade deixe a escola para procurar emprego. Ainda assim, a questão econômica não é o maior entrave para mantê-lo na escola. "A falta de interesse é um problema de demanda. A gente tende a olhar a educação do ponto de vista da oferta. Acha que se tiver uma escola de qualidade o problema está resolvido. Se o estudante não estiver motivado, você não vai conseguir", afirma Neri.
Reflexo familiar
De acordo com o especialista, quando se analisa o desempenho escolar dos alunos, nota-se que 80% das diferenças de notas de aprendizado nos diversos métodos de avaliação se dão por variáveis do domicílio do aluno ou do nível de educação dos pais, ou ainda da renda da família. O suporte familiar é decisivo no aprendizado, mas, por outro lado, uma boa educação infantil, principalmente para famílias desestruturadas e cuja estrutura é muito ruim, pode ser transformadora, uma chance de melhorar o nível social. Difícil é convencer o jovem de que a escola, mesmo no modelo atual, é importante para o seu futuro.
Estímulo
"É importante convencê-lo de que vale a pena estudar", diz Neri. O estudo da FGV comprova ainda que quanto maior o nível de escolaridade, maiores serão os ganhos, prova de que apesar dos problemas a escola ainda dá retorno ao aluno. Pesquisa coordenada por ele mostra que as chances de arrumar emprego aumentam em 3,3% a cada ano de estudo finalizado e o salário pode subir 15%. Por que, então, cada vez mais jovens estão largando os estudos? Uma das explicações, segundo Neri, é que os maiores retornos da educação sobre a renda ocorrem a partir da meia-idade, distante do planejamento imediatista do jovem.
Se a educação é a principal forma de ingresso às classes de rendas mais altas, o grande desafio é conciliar a expansão do acesso ao ensino superior com a qualidade e ainda impedir que os jovens abandonem os estudos antes de ter uma chance de chegar à universidade. A estratégia, mais do que atraí-lo, é mantê-lo em sala de aula. A evasão não se dá repentinamente, os alunos vão saindo ao longo do ano. Quando chega junho e julho e sabem que não vão passar de ano, jogam a toalha. Neri sugere que, para manter a qualidade do ensino, é preciso ter profissionais bem preparados no ensino fundamental para poder almejar uma solução mínima no ensino médio.
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Interatividade:
O que pode ser feito pela escola e pelos pais para evitar que o jovem abandone os estudos?
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