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Vias públicas

Vai no nome de quem?

Poucas nomenclaturas de ruas ainda sobrevivem sem homenagear algum político ou personalidade. A bajulação começou no Império e se intensificou na República

A Rua Emiliano Perneta ganhou esse nome em 1922, após a morte do poeta paranaense | Acervo da Casa da Memória/ Diretoria do Patrimônio Cultural / FCC
A Rua Emiliano Perneta ganhou esse nome em 1922, após a morte do poeta paranaense (Foto: Acervo da Casa da Memória/ Diretoria do Patrimônio Cultural / FCC)
O marco histórico da República transformou a Rua da Imperatriz, no Centro de Curitiba, na famosa XV de Novem­­bro |

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O marco histórico da República transformou a Rua da Imperatriz, no Centro de Curitiba, na famosa XV de Novem­­bro

Se você mora em Curitiba, é provável que passe pela Rua São José ou já tenha ficado preso em um congestionamento nos últimos dias na Rua da Misericórdia. Não, caro leitor, não erramos os nomes das vias da capital paranaense, mas voltamos dois séculos no tempo para fazer um teste: você seria capaz de identificar quais são as ruas que aparecem no mapa desta página, com o traçado de hoje mas os nomes que as vias apresentavam no período imperial?

Uma análise da nomenclatura das ruas da cidade mostra uma tendência brasileira: no passado, os políticos geralmente nomeavam as vias públicas pelo que elas representavam para o município: Rua Formosa, Rua das Flores, Rua Fechada (justamente porque não tinha saída) e assim por diante. Com a Proclamação da República (1889), o cenário foi completamente alterado. "Antes não havia a tradição de colocar nomes de pessoas para homenageá-las. Mas depois da República, e principalmente após 1930 [governo Vargas], a movimentação política no país aumentou e as ruas que antes tinham nomes que representam as características da colônia passaram a remeter a nomes de políticos", explica o pesquisador Valério Hoerner Júnior, autor do livro Ruas e Histórias de Curitiba.

A alteração da nomenclatura em referência a um determinado político era sempre delicada, porque causava mal estar para a família do homenageado. Mesmo assim, em Curitiba, a Avenida Visconde de Guarapuava, a partir de uma coligação política, virou Avenida Getúlio Vargas em 1930 e manteve a denominação por quase 25 anos. Com a morte de Getúlio (1954), porém, foi devolvida à rua o título anterior (por aclamação popular) e a Rua Ivahy (que se referia ao nome de um rio) passou a se chamar Getúlio Vargas, nome que mantém até hoje. "Pobre do visconde, exonerado de sua posição", brinca Valério. Visconde de Guarapuava recebeu o título por hospedar em sua casa dom Pedro II, em 1880, quando o imperador brasileiro esteve no Paraná.

Quem também perdeu a homenagem foi o próprio dom Pedro II: quando marechal Deodoro assumiu o poder, a então Rua do Imperador deixou de ser chamada assim. E a Rua São José, que homenageava o pai de Jesus Cristo, virou Marechal Floriano Peixoto quando o político assumiu a Presidência do Brasil. "Era São José também porque a rua levava os moradores de Curitiba para São José dos Pinhais", lembra Valério.

O marco histórico da Re­­pública conseguiu derrubar outra homenagem: a Rua da Imperatriz, que também foi Rua das Flores, virou XV de Novembro para marcar o grito republicano. "E olha que a rua [no passado] nunca foi das flores, era horrível, mal pavimentada", diz Valério.

Conflitos

São poucas as ruas curitibanas antigas e importantes (por causa da localização) que conseguiram sobreviver com um nome não relacionado a personalidades políticas. Uma delas é a Riachuelo, que, apesar de ter tido outros seis nomes anteriormente, mantém a nomenclatura recebida em homenagem a uma das batalhas travadas entre Brasil e Paraguai na guerra que envolveu forças militares da Tríplice Aliança.

Outra via que se refere à Guerra do Paraguai, mas não re­­sistiu foi a Rua Aquidaban – nome do riacho nas proximidades do qual morreu Solano López, em Cerro Corá. Em 1922, com a morte de Emiliano Perneta, a Aquidaban perdeu seu posto para o jornalista e promotor público que, coincidentemente ou não, nasceu em plena Guerra do Paraguai, em 1866.

Cenário político ditou mudanças em placas

A menor avenida do mundo em extensão, que está em Curitiba, nem sempre foi chamada de Luiz Xavier. Ela ganhou esse nome em 1880 e foi considerada avenida porque era mais larga que a própria XV de Novembro, apesar de bastante curta.

Luiz Xavier foi o quarto prefeito de Curitiba e também o primeiro reeleito. Mas, novamente por uma questão política, após 1930 a avenida passou a se chamar João Pessoa, conforme lembra o pesquisador Valério Hoerner Júnior no livro Ruas e Histórias de Curitiba. O paraibano Pessoa era companheiro de chapa de Getúlio Vargas e, enquanto Vargas viveu, João Pessoa teve seu nome estampado nas placas da Boca Maldita.

Mágoa

Valério descreve no livro como a troca de nomenclatura atingiu o ex-prefeito. "Luiz Xavier costumava olhar aquele pedaço com singular carinho. A revolução de 30, porém, o fez uma vítima desnecessária: da forma que viu seu nome no logradouro, assistiu estático, em vida, à nomeação da Rua João Pessoa. É que Vargas, vindo para Curitiba, se hospedaria no Braz Hotel, em plena Avenida João Pessoa", explica. Xavier, com mais de 70 anos, sentiu-se ferido com a volubilidade política. Reconquistou o nome da rua somente após a morte de Vargas (1954). Mas já era tarde: o ex-prefeito havia falecido em 1933.

Confira algumas ruas de Curitiba que mudaram de nome. Clicando nos botões abaixo, é possível ligar e desligar mapas antigos da cidade, para comparar com os nomes atuais.

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