
No início da manhã do último sábado, o artista plástico Gil Silva, 54 anos, rumava para a praia de Matinhos carregando uma pá e um carrinho de mão. Ficou contente ao ver que o solo ainda estava molhado da chuva da madrugada. Retirou oito carrinhos de areia da orla e os depositou ao redor de uma árvore do calçadão.
Começou a moldar uma estrela-do-mar. Por três horas, ele girou ao redor da árvore, criando tentáculos de areia nascendo a partir do caule. Quando alcança o formato desejado, começa a assentar cimento em cima da escultura.
Quatro anos atrás, este paranaense de Cruzeiro do Oeste descobriu uma forma de perenizar suas esculturas em areia. Além de migrar para o calçadão, onde está protegido do mau-humor das marés, ele aplica uma camada de cimento sobre a obra original. Como as formas mais sutis desaparecem sob a massa cinza, ele as refaz enquanto o cimento ainda está fresco.
Quatro trabalhos, somando a estrela, decoram a rua em frente ao seu ateliê na Avenida Atlântica, próximo ao Pico Matinhos. Gil se realiza ao ver crianças posando para foto ao lado da tartaruga ou mesmo se um pedestre cansado usa as costas do golfinho como banco.
Há ainda outras duas esculturas na Praia Brava de Caiobá uma sereia e um Netuno, o deus do mar na mitologia grega. Estas últimas geraram repreensão por atrapalharem o trânsito na calçada: caso ele continuasse a construir em espaço público, seria multado em R$ 50 mil. "Agora só faço mais para cá", confessa.
Em contrapartida, Gil foi convidado a sugerir um projeto artístico para toda a faixa litorânea. Se aprovado, deverá ser executado junto com a revitalização da orla, que aguarda as obras de engorda da praia e cujo financiamento é do Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC), do governo federal. "Apesar de sentar em muitas mesas de negociação, nunca tive incentivo", lamenta.
Carreira
Antes de migrar para o Litoral, Gil passou quase duas décadas como artista de rua mais especificamente, na XV de Novembro, no Centro de Curitiba. Era casado com uma mulher religiosa, que desaprovava as esculturas de deuses gregos espalhadas pela residência do casal. Certo dia, ao voltar para casa, encontrou-a vazia de ornamentos artísticos. A mulher havia convocado a patrulha familiar, que jogou fora as estátuas, o que forçou o fim do casamento. "Saí só com lápis e papel na mão", recorda.
Autodidata, ele desenvolveu desde cedo a compulsão pela arte. No colégio interno em que passou parte da infância, os padres ficavam sabendo das escapadelas noturnas do menino logo no dia seguinte. Enquanto tomavam café da manhã, viam, no pátio de saibro, os desenhos. Punham-no de castigo. Gil correu por diversos campos das artes plásticas. Do desenho publicitário às alegorias de escola de samba. Hoje vive de trabalhos vendidos pela internet.
Seu maior sonho é conseguir financiamento para transformar o terreno ao lado do ateliê, na Rua do Recreio, um espaço cultural lúdico para moradores e veranistas. Ele quer transformar os muros em painéis para pintura livre, montar um palco para apresentações cênicas e ministrar cursos de pintura e escultura. "Todos têm a capacidade de se expressar. E a arte é a linguagem mais pura para isso", sentencia.



