Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Vizinhos S/A

Violência ameaça conversa de muro

Viver em uma grande cidade exige disciplina. Dorme-se tarde e levanta-se cedo, pois o ônibus que passa depois da hora está sempre com gente saindo pelas janelas. Quem vai de carro, pega engarrafamento. E assim caminha a humanidade – congestionada e só. A rigidez urbana não deixa muito espaço para uma conversa fiada com os vizinhos – em tempos idos, uma instituição, com lugar de honra em festas de aniversário e casamento. Bons tempos, diriam muitos, ao perceber que a vizinhança, inclusive aquela que tinha olho grande e secava samambaia, descansa em paz no álbum de retratos.

O Instituto Paraná Pesquisas foi a campo, a pedido da Gazeta do Povo, e entrevistou, nos dias 20 e 21 de novembro, 427 pessoas maiores de 16 anos para saber a quantas anda o relacionamento com quem mora ao lado, numa época em que essa informação não parece mais tão importante. Os resultados apontam para uma população educada com o outro, porém desconfiada e acuada: 55% afirmam que a violência é um impedimento às relações de vizinhança, superando a fofoca, naturalmente bem colocada, com 43,3%.

Aos números: 40,7% dos consultados ficam em casa de 2 a 4 horas – não incluindo na conta o período de sono. É pouco tempo para cultivar relações humanas na vizinhança. Mesmo assim, 87,5% garantiram conhecer os vizinhos; 51,9% já os convidaram para uma visita; 81,5% nunca brigaram com a turma da redondeza. Apesar do cenário amistoso, a nota para a vizinhança foi baixa: 6,5. Tecnicamente, a avaliação é a mesma dada aos curitibanos em geral, em trabalho anterior do Paraná Pesquisas/Gazeta (30 de julho). Na ocasião, moradores de fora que vivem na capital deram nota 8,6 para a cidade e um vexatório 6,6 para os curitibanos. A nota baixa repercutiu na coluna do leitor por pelo menos três semanas.

Antropologia

A idéia de vizinhança se formou tradicionalmente em torno de troca de favores, como ajudar a carnear um porco ou a construir uma casa. Na década de 60, assistir à televisão ou usar o telefone na casa da esquina talvez tenha sido o último consórcio informal de vizinhança. Os tempos mudaram. O poder público e as telecomunicações ganharam espaço, diminuindo estatisticamente as chances de alguém bater palma no portão alheio para pedir uma xícara de azeite.

A conclusão é dolorosa: a população se relaciona menos com os vizinhos porque simplesmente não precisa mais deles. A Gazeta do Povo colocou a questão para dois antropólogos: Carlos Alberto Balhana, da UFPR, e José Guilherme Magnani, da Universidade de São Paulo, coordenador do NAU (Núcleo de Antropologia Urbana). Nem sempre as opiniões dos dois sobre o assunto se avizinham.

Para Magnani – que é curitibano do Batel, mas desde a década de 70 vive fora da cidade – a população continua travando laços de vizinhança, mesmo numa megalópole. Mas não necessariamente com quem tem parede colada. Para explicar as novas formas de associações ele firmou o conceito de "pedaço" – uma espécie de mapa da cidade traçado pelo próprio cidadão a partir de seu campo de interesse. "O ponto de encontro de vizinhança pode ser a escola pública, por exemplo."

Convivência

Balhana também identifica zonas de convivência não mais determinadas pela geografia. Ele destaca que, no caso de Curitiba, já nos anos 70 as inovações no sistema de transporte coletivo retiraram os bairros distantes do isolamento. Nasceu desse encontro um "diálogo de franquia", cujo conteúdo passou a ser esgoto, praças, embelezamento. O interlocutor, contudo, não é o vizinho, mas a prefeitura, que cada vez mais ganhou espaço na administração urbana.

Para Magnani, um entusiasta das grandes cidades, o famoso olho do vizinho continua a postos. "Permanece o desejo em saber quem mora ao lado." A cidade contemporânea, diz, exige negociação e esforço para aprender a lidar com a diferença. Quem faz esse trânsito em direção do vizinho, assegura Magnani, encontra um campo infinito de possibilidades. "A cidade não destrói as relações. Ao contrário, aumenta a escala, melhora as probabilidades de que algo interessantíssimo aconteça."

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.