Brasília - Um milhão e 300 mil brasileiros tentam colocar os políticos fichas-sujas contra a parede a partir de hoje. O grupo subscreve o projeto de lei de iniciativa popular para proibir a candidatura de qualquer um que foi condenado em primeira instância judicial ou que responde na Justiça por denúncias graves como homicídio, racismo e desvio de dinheiro público. A proposta será entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP). Se aprovada, pode valer para já para a campanha de 2010.
O tema é polêmico e incomoda grande parte dos parlamentares. De acordo com levantamento publicado na semana passada pelo portal Congresso em Foco especializado na cobertura do Poder Legislativo , 129 deputados federais e 21 senadores são alvos de processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Os números colaboram para que os projetos que prejudicam os fichas-sujas enfrentem tanta resistência.
Há 12 dias, a Câmara dos Deputados vetou uma emenda do projeto de reforma eleitoral incluída pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) que exigia "idoneidade moral" e "reputação ilibada" como requisito para candidaturas. Na época, o líder do PT na Casa, Cândido Vaccarezza, disse que a proposta era uma "falta de responsabilidade" porque não definia critérios para a aplicação dos dois termos. Os congressistas também se apegam ao fato de que barrar candidatos que ainda não foram julgados ou cuja condenação não é definitiva fere o princípio constitucional da presunção de inocência.
A tese é respaldada por uma decisão recente do STF. Em outubro de 2008, o Supremo rejeitou uma ação de descumprimento de preceito fundamental movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que solicitava a concessão de poderes aos juízes eleitorais para impedir que candidatos condenados em primeira instância pudessem disputar eleições. "O valor da presunção de inocência prevalece íntegro até o momento final do trânsito em julgado", disse o relator do processo, o ministro Celso de Mello.
O julgamento, porém, frisou a importância de uma norma específica sobre o assunto. De acordo com o parágrafo 9.º do artigo 14 da Constituição, é necessária uma lei complementar para estabelecer os casos de inelegibilidade. O dispositivo protegeria a "moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato", conforme prevê o texto constitucional.
Para o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que organizou a coleta de assinaturas, não há contestação sobre o mérito da proposta. O presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (uma das 43 entidades que integram o MCCE), Marlon Reis, defende que o princípio da presunção de inocência não será obstáculo para o texto. "É uma garantia que não se aplica à lei eleitoral, até por isso a própria Constituição pede a elaboração de uma lei complementar."
Dúvidas
O assunto, entretanto, não é consenso entre juristas. O presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri, afirma que qualquer tentativa de restringir as garantias individuais será prejudicial. "Em razão da ineficiência do sistema judiciário, que demora demais para julgar, estamos colocando em risco o princípio da presunção de inocência. Uma questão não pode envolver a outra."
Já o advogado Everson Tobaruela, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo e especialista em Direito Eleitoral, diz que o projeto tem um conceito equivocado. "Estamos sempre esperando que alguém resolva o nosso problema de termos representantes tão ruins. É muito paternalista achar que uma lei é capaz de solucionar tudo."
* * * * * * * *
Interatividade
Proibir a candidatura de quem foi condenado apenas em primeira instância é afrontar o princípio da presunção de inocência?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.



