
Menos de cinco meses após assumir a Presidência, Dilma Rousseff enfrenta a sua primeira grave crise com o Congresso. A derrota do Planalto na votação do Código Florestal sinalizou que a base aliada no Legislativo está desunida e não segue os comandos do governo, mas sim seus próprios interesses. Com o ministro Antonio Palocci abatido por denúncias sucessivas, Dilma convocou o ex-presidente Lula para assumir a coordenação política do governo, num claro sinal dos problemas que enfrenta. E, numa tentativa de reconquistar a base perdida, fez um afago à bancada evangélica no Congresso: suspendeu a distribuição nas escolas do kit anti-homofobia
Antes restrito a críticas e agressões veladas, o desentendimento entre PT e PMDB foi escancarado com a votação do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira. Uma emenda proposta pelos peemedebistas levou a presidente Dilma Rousseff à primeira derrota no Congresso Nacional. O clima pesado entre os "sócios" governistas terá reflexos nos próximos dias, em especial nos desdobramentos das denúncias sobre o crescimento patrimonial do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci.
Pouco antes da sessão de anteontem, Dilma ligou para o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e deu o tom de como avaliava a mudança sugerida pelo PMDB. "Sua Excelência [Dilma] considera que essa emenda é uma vergonha para o Brasil", disse o petista em discurso, ao orientar que os governistas votassem contra a emenda. A declaração atingiu diretamente o líder do PMDB, Henrique Alves (RN).
Pouco antes, Alves fez um discurso inflamado e tentou rebater a tese de que os peemedebistas estavam traindo o governo. "Eu não sou aliado do governo Dilma. Sou o governo Dilma", disse, referindo-se à eleição de Michel Temer (PMDB) como vice-presidente. E complementou: "Não aceito aqui [a alegação de] que está se derrotando o governo. Como, se a proposta é nossa?".
A situação piorou com o encaminhamento do projeto do Código para o Senado, onde passa a tramitar a partir de agora. Há dois meses, o líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (AL), já havia manobrado para que o relator do texto fosse o colega de partido e ex-governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira. Idealizador do polêmico Código Florestal Estadual implantado em Santa Catarina, ele deve ser preterido por um nome mais "confiável" e que trabalhe pelas mudanças na proposta defendidas por Dilma. O nome dado como certo é o de Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).
Deslize verbal
Vice-líder do governo na Câmara, o deputado paranaense Osmar Serraglio (PMDB) admite que a situação é difícil. "Houve um deslize verbal quando foi dito que a proposta do PMDB é uma vergonha. Uma crítica objetiva, sobre o conteúdo da emenda, seria normal, mas do jeito que foi colocado ficou muito pessoal", avaliou Serraglio.
Segundo o parlamentar, o "desencontro" será resolvido rapidamente. "Basta conversa", sugeriu. O diálogo, porém, vai ter de passar pela lavagem de "roupa suja" do passado: os peemedebistas nunca esconderam o descontentamento com a distribuição de cargos promovida por Dilma.
Enquanto isso, o governo continuará a pressão por mudanças no Código. A presidente reiterou que é contra qualquer mudança que signifique anistia a desmatadores. Apesar dessas ressalvas, os petistas ajudaram a aprovar o texto-base do relator Aldo Rebello (PCdoB-SP), que teve 410 votos a favor e apenas 63 contra.
Já a emenda do PMDB teve 273 votos favoráveis e 182 contrários (78 de petistas). A alteração trata das regras para propriedades que exploram áreas de preservação permanente (APPs), que são zonas protegidas como morros e matas ciliares com a função de preservar recursos hídricos e a estabilidade geológica.
De acordo com o texto-base, a regulamentação das atividades que poderiam continuar em APPs nas margens de rios já desmatadas seria feita por decreto do governo federal, dentro de requisitos de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental. Além disso, o texto previa que a análise de manutenção dessas áreas seria feita por Programas de Regularização Ambiental (PRAs) elaborados por órgãos ambientais federais e estaduais. O destaque negociado pelos ruralistas retira o trecho que diz respeito ao decreto (o próprio texto do código regulamenta quais cultivos são mantidos). Isso dá mais força aos PRAs e, consequentemente, aos estados. Pela lei atual, os estados não tinham nenhuma responsabilidade sobre esse tipo de regulamentação ambiental.



