
Usando um pouco a criatividade, imagine uma roda com membros do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. De mãos dadas, eles cantam e giram em círculo, sem sair do lugar. No repertório, nada de cantigas infantis. Os temas repetidos à exaustão são escândalos, corrupção e superfaturamento. A alegoria é um retrato de Brasília atualmente. A crise no governo federal, que começou na Casa Civil e foi para o Ministério dos Transportes e da Agricultura, paralisou mais uma vez as grandes discussões sobre o desenvolvimento do país. Segundo especialistas, isso não é culpa apenas do Planalto, mas também da oposição, dos parlamentares e da Justiça brasileira.
Desde que veio à tona o enriquecimento de Antonio Palocci, em 15 de maio, o governo federal sofreu uma série de denúncias. O braço direito da presidente Dilma Rousseff caiu apenas em 7 de junho. O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, caiu no dia 6 de julho. Na semana passada, foi Nelson Jobim quem deixou a Defesa, mas não por irregularidades.
Enquanto isso, nada de discutir reformas e outros temas relevantes para o médio e longo prazos. Para Claudio Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, a discussão sobre desenvolvimento nunca foi de interesse da classe política. "Ninguém discute nada e a mediocridade gera mais mediocridade", diz. Para ele, a obrigação recai principalmente sobre Dilma Rousseff. "É a principal responsabilidade da Presidência da República: colocar em prática as políticas públicas do país. Ela não está aí para administrar obras."
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A lógica pública
Na avaliação do filósofo José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc), a corrupção opera como uma engrenagem. "Não importa quem esteja no poder nem qual o partido. É uma lógica de funcionamento da coisa pública que é tomada por interesses privados ou políticos-partidários", diz ele, que é membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) do governo federal, o "Conselhão".
Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp, diz que o problema envolve todos os poderes da República. No Judiciário, por exemplo, há falta de agilidade e eficácia. "Ele só age quando é acionado, não se pensa como poder. E quando é pressionado, toma atitudes desencontradas." Exemplo disso, segundo o professor, é quando os juízes cassam os governantes eleitos e acabam colocando o candidato que ficou em segundo lugar no cargo. "É uma usurpação do poder soberano do eleitor."
Para ele, a "faxina" que a presidente Dilma está fazendo não depende apenas dela para prosperar, mas de todo um conjunto de forças políticas. Romano afirma ainda que a oposição precisa cobrar o Executivo, mas fica apenas na superficialidade.
A opinião do historiador Marco Antônio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é semelhante. "A oposição age exatamente da mesma forma que os partidos do governo. A grande parte da base está lá para fazer caixa, não para discutir o futuro do Brasil. O Congresso Nacional, que deveria ser o fórum dessas discussões, fica paralisado", afirma. Segundo ele, a oposição poderia elevar o tom do debate, mas há uma opção pelo caminho mais fácil.



