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tempestade em brasília

A semana que abalou as instituições democráticas brasileiras

Os fatos foram tão inusitados que não existe uma análise unidirecional que dê conta de explicá-los de forma satisfatória

Ilustração: Osvalter Urbinati | /
Ilustração: Osvalter Urbinati (Foto: /)

O conflito entre o Poder Judiciário e Congresso Nacional ultrapassou os limites institucionais de forma grave. A sucessão de atos descomedidos durante a semana que passou (veja uma cronologia abaixo) por si só já seria perigosa por colocar em risco o próprio ambiente democrático. Neste momento de aguda crise econômica, os desencontros adquirem contornos ainda maiores, uma vez que a falta de harmonia entre os poderes tende a dificultar a criação de um consenso nas reformas que o país precisa fazer. Os fatos foram tão inusitados que não existe uma análise unidirecional que dê conta de explicá-los de forma satisfatória. Há, entretanto um ponto de concordância: sem respeito ao império das regras legais e, portanto, ao Estado de Direito, dificilmente a situação será superada.

“O momento tem de ser de serenidade para o fortalecimento das instituições”, afirma o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia. Na avaliação dele, os poderes não podem entrar nessa linha de confronto que a nação assiste. “Se isso continuar não chegaremos a lugar algum, é preciso superar esse momento. Ao mesmo tempo, tenho defendido que o Brasil seja passado a limpo, combatendo a impunidade onde ela estiver”, afirma.

Segundo Lamachia, há um clima de intolerância na sociedade que era inimaginável há poucos anos. E esse convívio conflituoso dificulta encontrar uma linha de consenso nas medidas a serem tomadas tanto para debelar a crise econômica quanto para combater a corrupção. “Menos arrogância, mais tolerância é algo que vale para todos, a sociedade, os políticos. O que precisamos agora é construir consensos.”

Para o professor de Ciência Política Emerson Cervi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diferentemente dos congressistas de décadas passadas, a geração atual de representantes do Poder Legislativo tem dificuldades de negociar. “Só dialoga com quem está do mesmo lado, não negocia com quem pensa diferente. Essa postura faz com que a parte derrotada se torne irresponsável, porque não participou de fato do processo decisório”.

Segundo Cervi, os fatos da semana não indicam crise do Estado de Direito, mas uma severa crise de lideranças. “É que pela primeira vez, ao menos no Brasil recente, essa crise de liderança atingiu a cúpula do Judiciário, que passou a se comportar de forma similar ao do Executivo e do Legislativo, participando inclusive cada vez mais do debate público, o que era incabível na geração anterior”.

Novas demandas

Apesar do acirramento do conflito entre o Legislativo e o Judiciário, as instituições brasileiras e o Estado de Direito, afirma o professor de Direito Constitucional Egon Bockmann Moreira, continuam fortes. Mas a realidade atual, explica ele, é muito diferente do que há quase trinta anos, quando a Constituição foi promulgada.

No novo cenário, afirma o professor, o equilíbrio entre os poderes é posto à prova a todo o momento por fatos que não se encaixam na divisão tradicional de papéis do Executivo, Legislativo e Judiciário. “Hoje esse equilíbrio é dinâmico, ocorrendo, por vezes, excessos e troca de papéis entre os atores políticos. Se comparado com agora, o mundo de 1988 é um jardim de infância perto dos desafios que a gente tem hoje. O cenário em que o STF atua é complexo, o constituinte nem em pesadelo sonhou com isso”.

Para Bockmann Moreira, atualmente não há mais um cenário em que um magistrado pode controlar de forma clara a Constituição. “Muito do que se vê hoje está em conformidade com esse dinamismo. A Constituição é colocada em teste a todo o momento e não tem como se prever o futuro”.

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