Antes de encontrar soluções para o fim do tráfico ou repreender a violência, é preciso acabar com a corrupção dentro da polícia. Essa é a avaliação do historiador Marcos Brêtas, pesquisador do Núcleo de Estudos de Cidadania e Violência Urbana da UFRJ. Para ele, o filme "Tropa de Elite', de José Padilha, é emblemático ao trazer à tona uma discussão que é fundamental.
- Tem uma cena do filme que representa bem isso, que é quando eles se reúnem para ver a lista dos candidatos para o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope). Eles citam os policiais que são corruptos e se planejam para evitar que eles entrem no treinamento, mas em nenhum momento eles são questionados sobre uma possível prisão dos corruptos. Essa é a grande discussão do filme. Por que evitar que os corruptos trabalhem em um batalhão específico apenas? Por que não evitar que eles trabalhem na polícia? - questionou o professor.
Para José Augusto Rodrigues, sociólogo e especialista em Segurança Pública da Uerj, o maior problema é a promiscuidade entre o ambiente político e as forças policiais. O sociólogo não viu o filme, mas leu o livro "Elite da Tropa" e acredita que esse seja seu tema central.
- Não resta a menor dúvida que a corrupção policial é um problema endêmico. Agora, eu acho que a ênfase no livro é menos na corrupção do policial fichinha e mais nessa rede de influência e de relações de poder que a polícia está insierida e que é uma rede profundamente corruptora.
Baixos salários apontados como principal problema da poícia
José Augusto nega, no entanto, que esse problema seja da "sociedade", que seria permissiva com a corrupção.
- Tudo é um problema social, está disseminado na sociedade, mas isso não é sociologia, é enrolação. Quando você diz isso, o próximo passo é jogar a toalha. É preciso uma política institucional de profissionalizar a gestão de polícia. Isso não é a sociedade que vai fazer. Isso é uma decisão de governantes. De tomar a frente e pagar os custos e possivelmente a médio e longo prazo receber os bônus. Se você não muda a qualidade de gerência da polícia, não encaminha solução mínima para o problema.
Para Brêtas, é muito importante cobrar uma melhor estrutura, mas é preciso lembrar ainda que esse é um sistema que já está canibalizado. Segundo ele, dentro da própria instituição você tem problemas como o desvio de verbas e materiais de uma área para outra.
- No filme eles mostram bem isso quando um mecânico chama a atenção para o roubo do motor de um veículo dentro do próprio batalhão. Isso acontece ali dentro, é apavorante, o nível desgaste é muito grande - disse, lembrando que no item treinamento já é outra história:
- Existe uma ótima estrutura ali, mas é uma estrutura perversa. Você vê no filme o treinamento de tortura que eles recebem. É um treinamento muito bom, mas é de assassinos. É uma violência que o filme termina por justificar, o que é errado. O meu medo é que as pessoas saiam do cinema com uma sensação de que todos os policiais devem ser do Bope, e que todos devem agir assim, mas isso não é verdade, o Bope é uma exceção, é um batalhão especial, e age em situações especiais, não quer dizer que a forma deve ser essa.
José Augusto Rodrigues concorda. Ele afirma que apesar do Bope estar afastado do ambiente promíscuo de corrupção, o modus operandi do Batalhão é incompatível com uma sociedade democrática.
Professor da UFRJ aponta desordem urbana como maior problema do Rio
O professor da UFRJ destacou ainda o sistema perverso na política do combate ao tráfico. De acordo com Brêtas, há uma imagem de que o maior problema do Rio hoje o tráfico, exatamente como aparece no filme, o que não é exatamente verdade. Segundo o professor, a polícia assumiu que seu dever é único e exclusivamente combater o tráfico, deixando a desordem urbana em segundo plano.
- O que mais afeta a sociedade não é o tráfico nas favelas, mas a desordem urbana. O que um morador vai preferir: acabar totalmente com o tráfico e aumentar em mil vezes os assaltos na sua esquina, ou diminuir os assaltos na sua esquina sem acabar com o tráfico? Olhando do ponto de vista criminal, se legalizar as drogas acabou o tráfico. Mas e aí, o que vai acontecer com os traficantes? Não é coincidência que quando há uma forte política de combate ao tráfico isso aumente a violência no asfalto. É uma lógica perversa, por isso é preciso tratar da corrupção na polícia antes - disse.
José Augusto Rodrigues aponta a despolitização das cadeias de comando como a principal medida de combate à corrupção policial.
- Os políticos organizam as coisas de modo a permitir que a força policial seja usada como fonte alternativa de recursos, inclusive para a alta oficialidade. Por exemplo, um problema sério é o da segurança privada. Como que a partir dos esquemas da segurança privada se constitui um núcleo de corrupção policial - afirma o sociólogo, que destaca ainda como esse esquema dificulta uma racionalização do horário de trabalho dos policiais.
Em uma entrevista ao jornal "O Globo", o secretário nacional de Segurança Pública, Antônio Carlos Biscaia, disse haver hipocrisia nas manifestações pela paz na orla carioca, uma vez que algumas pessoas que participam das passeatas consomem drogas, o que favorece o aumento do narcotráfico e da violência.



