
"Curitiba esteve, está e estará num planalto de terrenos pantanosos e pouco acidentados, sem nenhuma beleza natural catalogada pelos almanaques." Assim o arquiteto Irã Dudeque descreve a capital paranaense no livro Espirais de Madeira: uma história da arquitetura de Curitiba. Sem ter sido contemplada pela natureza, só havia uma solução, diz Dudeque: "Restou à cidade edificar-se".
O desafio de tornar a urbe bela, portanto, ficou para as pranchetas dos arquitetos, engenheiros e paisagistas. E, em princípio, o trabalho vem sendo bem feito. No imaginário de expressiva parcela dos moradores, Curitiba é limpa, bonita e charmosa. E os bons exemplos de estética paisagística e arquitetônica, somados à limpeza, são hoje o principal fator que fazem os curitibanos gostarem da capital.
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Enquete feita pelo Instituto Paraná Pesquisas com 410 moradores de todas as regiões da cidade, a pedido da Gazeta do Povo, mostra que metade dos habitantes do município cita algo que tem relação com a estética urbana quando diz o que mais gosta em Curitiba. O mesmo levantamento revela que, para 31% dos moradores, é a beleza e a limpeza que diferenciam a capital das demais cidades do país.
Aproveitar a constatação do poeta Vinícius de Moraes de que o belo é prazeroso pode ser um trunfo para o futuro prefeito proporcionar bem-estar à população. Um trunfo, mas também um desafio: como afinal criar e manter espaços públicos e privados esteticamente bem resolvidos sem gastar excessivamente e sem esquecer da funcionalidade e da cultura local?
Embelezamento
O urbanista Clóvis Ultramari afirma que o momento histórico e político de Curitiba permite ampliar o investimento público em "embelezamento". Segundo ele, a melhoria dos indicadores sociais permite que a prefeitura se dedique mais à boa estética.
"O morador urbano não quer apenas viver; quer viver bem. Isso demanda não apenas uma moradia, emprego e transporte público. Viver bem exige uma boa paisagem urbana, uma boa arquitetura, e grandes espaços de convivência", afirma Ultramari. No entanto, para ele quase não há debate público a respeito da estética na cidade. "Há um receio em se discutir [o assunto], uma sensação de culpa."
Ultramari afirma que aqueles que defendem a redução de gastos na qualidade de projetos arquitetônicos, em favor de investimentos sociais, não percebem que no longo prazo os cuidados estéticos trazem retorno social, cultural e financeiro. "Imagine se fizéssemos o cálculo do déficit habitacional no Paraná no momento de aprovar a construção do Museu Oscar Niemeyer. Hoje privaríamos milhares de pessoas que o utilizam como local de lazer. Esse tipo de comparação [entre o social e a beleza] é infeliz; não pode ser a única diretriz de um gestor."
O urbanista entende ainda que, nos últimos tempos, o poder público tem dado ênfase excessiva aos custos na hora de definir as intervenções. Se essa postura tende a baixar as despesas, o efeito colateral é que estão sendo privilegiados projetos muito simples e padronizados nem sempre agradáveis esteticamente ou funcionais. Ultramari sugere que a prefeitura abra concursos públicos de arquitetura para que os projetos urbanos sejam mais bem resolvidos.
Já a arquiteta Giceli Portela, uma das responsáveis pela recente restauração da Catedral, pondera que a beleza pode estar em pequenos detalhes que demandam mais capricho do que recursos financeiros.
Os dois arquitetos concordam ainda que cabe ao poder público zelar pela história arquitetônica de Curitiba, seja ela pública ou privada. Giceli alerta, porém, que algumas escolhas recentes da prefeitura deixaram de lado a tradição. Ela cita como exemplo os blocos de cimento nas calçadas do Centro que estão substituindo o petit-pavé. "São horrendos e de mau gosto", afirma.
Já Ultramari diz que é desejável que a prefeitura oriente a iniciativa privada na elaboração de projetos que tenham mais relação com a identidade histórica da cidade ou de determinados bairros. "Mas parece que vivemos momentos em que é o setor privado que faz as escolhas."
Limpeza faz parte da cultura local, mas pode melhorar
Ex-lavrador e pai de cinco filhos, o varredor de ruas Eros Lopes (foto) é um dos heróis anônimos que todos os dias ajudam o curitibanos a cultivar um de seus maiores orgulhos em relação à cidade: a limpeza. Enquete do Instituto Paraná Pesquisas revela que o asseio é o principal motivo de elogios a Curitiba, de acordo com os moradores. Foi citado por 27% dos entrevistados.
Do alto de seus 17 anos de experiência na limpeza urbana, Eros acredita, no entanto, que é possível melhorar. Ele avalia que ainda há muitos "sujões": "É meio a meio [a proporção entre as pessoas educadas e as que não são]". O varredor diz não entender por que ainda haja quem jogue lixo no chão mesmo quando, a poucos metros, há uma lixeira.
Letícia Peret Antunes Hardt, professora do programa de pós-graduação em Gestão Urbana da PUCPR, afirma que talvez seja o momento de a prefeitura promover novas campanhas educativas.
Ela lembra que o programa de reciclagem Lixo Que Não É Lixo, lançado no fim da década de 80, incorporou de forma definitiva na cultura curitibana a limpeza e a separação dos materiais recicláveis. "Hoje é comum que curitibanos se reconheçam em viagens para outras cidades ao procurarem uma lixeira para jogar uma guimba de cigarro ou um pedaço de papel", afirma Letícia. Mas, diz ela, Curitiba cresceu e o perfil dos moradores mudou o que exige reforço educativo.
Pichações e grafites desafiam o poder público
Um dos maiores desafios "estéticos" com o qual o futuro prefeito deve se deparar é a questão da grafitagem e das pichações. O tema é controverso. O grafite, embora haja quem não goste, vem conquistando respeito e sendo reconhecido como arte. Mas a pichação ainda é vista como caso de polícia, embora a repressão não esteja impedindo que continue a ser praticada.
A doutora em história da arte Elisabeth Prosser, que escreveu um livro mapeando os grafites de Curitiba, diz que esse tipo de intervenção expressa as inquietações, tristezas e alegrias de uma parte dos moradores. Mas ela fica desconfortável para falar da pichação, um tema tabu, sempre no limite entre a manifestação cultural legítima e o vandalismo. Uma alternativa, sugere Elisabeth, é proporcionar que os jovens tenham acesso a educação e cultura. E também incentivar e aprender a respeitar a arte do grafite.



