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Bolsa Família foi uma das grandes bandeiras de Dilma. | Lula Marques/
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Bolsa Família foi uma das grandes bandeiras de Dilma.| Foto: Lula Marques/ Agência PT

Com a meta de erradicar a extrema pobreza no Brasil, a gestão de Dilma Rousseff (PT) seguiu a cartilha estabelecida durante o governo Lula. A novidade foi a articulação do Bolsa Família com outros programas sociais, dando origem ao carro-chefe do mandato da presidente petista, o Brasil Sem Miséria, uma tentativa de superar o modelo de transferência de renda apontado por muitos como assistencialismo.

Plano ambicioso para retirar da miséria mais de 16 milhões de brasileiros que viviam com menos de R$ 70 mensais, a ideia por trás do Brasil Sem Miséria era não apenas complementar a renda por meio do Bolsa Família, mas promover a inserção dos mais pobres em programas de inclusão produtiva, como o Pronatec, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Crescer, para acesso ao microcrédito orientado.

22 milhões de pessoas teriam superado a extrema pobreza

“Uma das críticas mais pertinentes ao Bolsa Família era de que o benefício por si só não promovia a qualificação profissional e não inseria o indivíduo no mercado de trabalho. Com certeza [o Brasil Sem Miséria] foi um reconhecimento de que outras políticas eram necessárias, para além do Bolsa Família, para reduzir a pobreza”, avalia o cientista político Aninho Irachande, da Universidade de Brasília (UnB).

Sem portas de saída

Ainda assim, sobraram críticas ao Brasil Sem Miséria. A maior delas continuou sendo sobre as “portas de saída” do Bolsa Família – principal eixo do plano de Dilma. As “portas de saída” são as vias pelas quais os beneficiários superam a pobreza e deixam de precisar do auxílio mensal do governo.

“Toda política pública tem que ser perene. O objetivo é atacar um problema e deixar de ter vigência quando esse problema acaba. O Bolsa Família só vai perder vigência quando conseguir criar condições para que o indivíduo ponha comida na mesa por si só. E isso acontece por meio da educação e do trabalho”, observa Irachande.

Cortes no orçamento comprometeram resultados

Segundo opositores do programa, essas portas de saída não são eficientes – mesmo com a articulação com outros programas sociais proposta por Dilma – fazendo do Bolsa Família uma espécie de aposentadoria para uma parcela de cidadãos que têm pouca ou nenhuma condição de se sustentar.

Na ponta do lápis

O Bolsa Família atinge diretamente um a cada quatro brasileiros – são quase 14 milhões de beneficiários. Mas a abrangência é ainda maior devido ao giro econômico promovido pelos recursos do programa. Dados apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2013 mostraram que cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família “gira” R$ 2,4 no consumo das famílias e adiciona R$ 1,78 no PIB.

Segundo Helmut Schwarzer, secretário nacional de Renda de Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), o custo orçamentário do programa equivale a 0,5% do PIB ao passo que atinge 25% da população brasileira (13,8 milhões de beneficiários diretos multiplicado pelos membros da família). “É uma quarta parte da população sendo abastecida com 0,5% do PIB. É muito pouco.”

Outra ponderação é de que o número de famílias contempladas pelo programa – em média 13 milhões – não deve mais crescer. Em vez de aumentar a quantidade de benefícios, mais urgente seria criar mecanismos para que as famílias consigam melhorar sua renda, sair do programa e ceder o benefício para os mais pobres.

Em entrevista à Gazeta do Povo no ano passado, o secretário nacional de Renda de Cidadania do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Helmut Schwarzer, respondeu às críticas. Segundo ele, 3,1 milhões de famílias que participaram em algum momento do Bolsa Família deixaram o programa porque conseguiram superar a linha de renda de R$ 154 por pessoa.

Bolsa Família beneficia milhares de famílias

Divulgação/Divulgação

“Temos 100-150 mil pessoas em fluxo contínuo no Bolsa. Os atuais 13,8 milhões de famílias beneficiárias não estão lá desde o começo do programa. Pessoas saíram, outras entraram”, disse.

Já o cientista político Aninho Irachande, da UnB, ponderou que a própria natureza do programa demanda mais tempo para surtir efeito. “Uma política dessa natureza precisaria de uma vigência de pelo menos uma geração para surtir efeito. As crianças que hoje conseguem estudar pelo Bolsa Família vão entrar no ciclo produtivo em 10 ou 15 anos e alterar o quadro social em 20 ou 25. Criticamos as portas de saída, mas estamos analisando um programa cujos resultados não vão aparecer em apenas 12 anos”, disse.

Reconhecimento internacional

O relatório global de desenvolvimento humano de 2015 elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) fez referências positivas ao Bolsa Família e recomenda a adequação do programa a outros países pobres. O documento cita o número de brasileiros que conseguiram sair da extrema pobreza e a redução da miséria estimada em 8% e destaca as melhorias das condições de saúde e educação dos beneficiários.

Entretanto, vale lembrar que em 2014, pela primeira vez em dez anos, o número de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza aumentou – foi de 10,08 milhões para 10,45 milhões. Os números foram apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Fraudes

Outra crítica antiga contra o programa são as fraudes cadastrais – ainda são comuns as notícias de beneficiários fantasmas ou de pessoas com renda mensal acima da linha de pobreza que recebem o auxílio. Em 2015, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) alertou para um índice de fraude de 8,5% com base em uma amostragem de 3,5 mil famílias. O órgão ainda apontou que muitos municípios não possuem estrutura adequada para a gestão do Bolsa Família.

De acordo com o MDS, o governo aumentou a fiscalização para blindar o programa. Segundo dados da revisão de 2015, disponibilizados pelo MDS, no ano passado 604 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família declararam aumento de renda e passaram a receber um valor menor do auxílio; outras 343 mil famílias declararam renda acima de R$ 154 mensais por pessoa – limite de acesso ao programa – e por isso deixaram de receber a complementação de renda. Por falta de atualização de dados, 467 mil famílias tiveram o benefício cancelado.

Resultados: 22 milhões teriam superado a extrema pobreza

Em cinco anos, segundo dados informados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o plano Brasil Sem Miséria incluiu 1,62 milhão de famílias extremamente pobres no cadastro do Bolsa Família e aumentou de três para cinco o limite de benefícios para famílias com filhos. Com essas medidas, 22 milhões de pessoas teriam superado a extrema pobreza – número acima do estipulado como meta pelo governo federal.

No que tange às frentes de inclusão produtiva, de acordo com dados informados pelo MDS, o Brasil Sem Miséria alcançou 1,7 milhão de matrículas em cursos de capacitação profissional via Pronatec e, desse total, 55% dos alunos conseguiram emprego após concluir o curso técnico. Ainda no âmbito da educação, 500 mil adultos beneficiários do Bolsa Família retornaram às salas de aula via EJA (Educação de Jovens e Adultos).

O Brasil Sem Miséria formalizou ainda 478,3 mil microempreendedores individuais de baixa renda e realizou 3,6 milhões de empréstimos a juros reduzidos para estruturação de negócios para beneficiários do Bolsa Família. No meio rural, dados do MDS mostram que 591 mil pessoas participaram do programa de microfinança rural, o Agroamigo.

Cortes no orçamento comprometeram resultados de políticas sociais

Os cortes orçamentários feitos pelo governo federal em decorrência da crise econômica e das medidas de ajuste fiscal também prejudicaram o desenvolvimento das políticas sociais de Dilma. Apesar de serem prioridade da gestão, os programas do Brasil Sem Miséria foram afetados e tiveram seus resultados comprometidos – um programa baseado em transferência de renda funciona melhor em um clima de inflação mais baixa e de crescimento de emprego e de renda, indicadores que se deterioraram nos últimos anos.

Entre os programas englobados pelos três eixos do plano – transferência de renda, inclusão produtiva e acesso a serviços –, o Minha Casa, Minha Vida foi o mais afetado, com redução orçamentária de R$ 14 bilhões no ano passado para R$ 4,3 bilhões. Também sofreram cortes o Pronatec, o Farmácia Popular, o Programa de Aquisição de Alimentos, o Água Para Todos e o programa Cisternas – esses três últimos voltados para a população rural de baixa renda.

O único programa preservado foi o Bolsa Família, que, embora seja considerado um dos eixos do Brasil Sem Miséria de Dilma, tem vida própria e continuou sendo a grande estrela do governo no âmbito social. A previsão orçamentária para 2016 é de R$ 28,1 bilhões, um a mais do que o destinado ao programa em 2015.

A garantia desse orçamento, inclusive, também foi cercada de polêmica. Diante de uma crise política sem precedentes, coube ao deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) o relatório do orçamento da União de 2016. O paranaense assustou o Congresso ao propor uma redução de 35% no orçamento do Bolsa Família – um corte de R$ 10 bilhões que muito provavelmente significaria o fim do programa.

Na época da votação da proposta, Barros rechaçou o discurso de que a redução do programa levaria milhões de pessoas à miséria novamente. O deputado argumentou que o corte era possível por três fatores: pelas fraudes cadastrais, porque 72% dos beneficiários trabalham e poderiam abrir mão da renda extra e porque não seriam mais incluídas novas famílias no programa. A proposta de Barros foi rejeitada pela Comissão Mista do Orçamento.

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