
Brasília - Conhecida caixa-preta do Congresso, a prestação de contas dos parlamentares referente ao uso da verba indenizatória será parcialmente revelada. Pressionada pela suspeita de irregularidades na prestação do deputado Edmar Moreira (sem partido-MG), a Mesa Diretora da Câmara Federal decidiu ontem tornar públicos os dados dos comprovantes das despesas pagas com a verba de R$ 15 mil mensais.
Mas os CNPJs dos fornecedores, espécie de identidade das empresas, que facilita o rastreamento e identificação dos proprietários dos negócios, não serão revelados. O portal também não vai reproduzir as notas fiscais das empresas e elas não serão retroativas, "anistiando" eventuais fraudes cometidas pelos deputados anteriormente.
As informações vão estar disponíveis no portal da Câmara a partir de abril. Será possível ter acesso ao nome da empresa que recebeu, o número da nota fiscal e o valor pago pelo deputado.
"Haverá total transparência e serão divulgados todos os dados", afirmou o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP).
O especialista em gasto público Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas, considerou a transparência parcial. Ele ressalta como fundamental a divulgação, não apenas do nome preciso da empresa, seu CNPJ, mas do bem ou do serviço prestado. "É um avanço a Câmara divulgar os dados, mas não é a transparência plena", disse.
Castelo Branco cita o exemplo de uma compra em um estabelecimento que tem produtos muito diversificados. "Se o deputado comprou uma caneta e depois incorporou ao patrimônio da Câmara, não há problema. Mas, se comprou um jogo de presente para o neto, o gasto não poderia ser feito com verba indenizatória", disse. Ele lembrou que a divulgação dos gastos será semelhante à dos cartões corporativos do governo federal, com a diferença de que, no Executivo, o CNPJ é informado. "Se uma empresa recebe dinheiro público, não há problema divulgar os dados completos, inclusive o CNPJ", completou.
O primeiro-secretário da Câmara, Rafael Guerra (PSDB-MG), que vai implementar o novo sistema, disse que havia resistência entre deputados em divulgar o cadastro dos fornecedores. "O CNPJ abre a vida da empresa. A maioria achou que não devia", argumentou. Guerra disse que o dado público deve ser a venda ou prestação de serviço ao deputado e não sobre possíveis pendências da empresa na Justiça, por exemplo.
Guerra disse que em caso de dúvida sobre alguma prestação de contas, as notas fiscais poderão ser solicitadas à primeira-secretaria. Michel Temer disse que a divulgação dos dados é a melhor medida para evitar suspeitas sobre desvio dos recursos. Ele descartou, pelo menos por enquanto, o fim da verba indenizatória e, por consequência, um reajuste do salário dos deputados com equiparação ao do Judiciário. "Essa matéria é complicada. É melhor a transparência que estabelecemos", afirmou
A divulgação dos dados das prestações de contas acontece oito anos depois da criação da verba indenizatória, hoje de R$ 15 mil por mês. Até agora, os dados disponíveis são genéricos. O portal da Câmara divulga o valor e a natureza da despesa. A verba pode ser usada para pagar gastos dos deputados nos estados com o exercício do mandato, como aluguel e manutenção de escritório político, viagens, transporte, combustível, consultorias e divulgação da atividade parlamentar.
Transparência
Quando souberam que a divulgação dos dados das notas fiscais não era retroativa, as ONGs de combate à corrupção Transparência Brasil e Voto Consciente apenas lamentaram. Mas quando ficou claro que o CNPJ das empresas beneficiárias seria omitido da prestação de contas, os líderes das entidades se revoltaram em uníssono: "Isso não é transparência, são fogos de artifício."
Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil, enviou imediatamente uma mensagem para Temer para expressar descontentamento com a medida, considerada inócua. Humberto Dantas, cientista político e conselheiro do Voto Consciente, deplorou a omissão dos dados e ressaltou que a divulgação "perdeu todo o sentido".
Para eles, os números de CNPJ são indispensáveis para a checagem dos gastos dos parlamentares. Sem os dados, não será possível fazer um cruzamento de informações que permita identificar mau uso da verba indenizatória.



