
Às vésperas de completar duas décadas, o impeachment de Fernando Collor deixou cicatrizes que ainda pautam fundamentos do jogo político brasileiro. Dos problemas na relação com o Congresso Nacional, consolidou-se o presidencialismo de coalizão e, como consequência, a troca de favores na construção da base de apoio parlamentar. Dos escombros herdados pela gestão de um partido nanico, o PRN, nasceu a polarização entre candidatos do PT e do PSDB nas últimas cinco eleições para o Palácio do Planalto.
Amparado pelos 35 milhões de votos conquistados em 1989 (apenas 6% a mais que Lula no segundo turno), Collor acreditou ter forças para tomar decisões impopulares, como o confisco da poupança, e, ao mesmo tempo, desprezar as lideranças partidárias tradicionais. "Essa pretensa autossuficiência foi um erro fundamental que não foi repetido por nenhum dos sucessores", diz o cientista político Carlos Melo, autor do livro Collor, o ator e suas circunstâncias. Filiado ao Partido da Reconstrução Nacional (PRN), legenda fundada menos de um ano antes da eleição, Collor até se aproximou de siglas mais fortes no início do mandato, em 1990, mas logo enfrentou dificuldades.
Nos sete primeiros meses, dividiu o ministério entre filiados ao PRN, PMDB e PFL, que lhe garantiam na época o apoio de 50,3% da Câmara dos Deputados. Em 1991, com a saída do PMDB do primeiro escalão, a base foi reduzida a apenas 26,2%. Como comparação, Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff nunca tiveram menos de 50% dos parlamentares.
Outra manobra evitada pelos sucessores foi o enxugamento da máquina pública. Encampando o discurso de "caçador de marajás", Collor começou o governo com apenas 12 ministérios (três deles militares), diminuindo a margem para o loteamento político. Também instituiu uma série de reformas liberais a partir de um programa de desestatização que previa a venda de 68 empresas públicas (só 18 foram efetivamente realizadas).
A conta de não negociar com o Congresso veio no auge do escândalo envolvendo o tesoureiro de campanha de Collor, Paulo César Farias, o PC Farias. Segundo denúncia de Pedro Collor, irmão do ex-presidente, à revista Veja, PC era "testa de ferro" de Fernando Collor em negócios ilícitos. Em 27 de maio de 1992, dois dias depois da publicação da entrevista, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que gerou mais informações para embasar o impeachment.
"Não foi pela corrupção que o Collor caiu. Foi pelo desgaste com o Congresso e pela incapacidade de se defender na CPI. O governo Sarney enfrentou denúncias muito piores e foi até o fim", diz o cientista político Antônio Flávio Testa, da Universidade de Brasília. Como resultado, segundo ele, o medo da relação com os parlamentares levou à exacerbação do presidencialismo de coalizão. "O que temos hoje é o que chamo de presidencialismo de transação." Testa diz que o exemplo mais recente dessa prática foi a nomeação da senadora Marta Suplicy (PT) para o Ministério da Cultura após fechar o apoio a Fernando Haddad na disputa eleitoral de São Paulo.
Polarização
A crise que levou ao impeachment de Collor no dia 29 de setembro de 1992 trouxe consequências imediatas ao sucessor, o vice-presidente Itamar Franco. Meses antes de assumir, ele havia deixado o PRN para se filiar ao PMDB. Em um sinal de aproximação com o Congresso, oito dos ministros escolhidos por Itamar foram senadores. Ele se esforçou para construir o que chamou de "política de entendimento nacional" e queria contar tanto com o PSDB quanto com o PT. Os tucanos aceitaram e Fernando Henrique Cardoso assumiu o Ministério das Relações Exteriores e, depois, o da Fazenda. Já a petista Luiza Erundina foi nomeada para o cargo de ministra da Secretaria de Administração Federal, contrariando a legenda, e recebeu como punição a suspensão dos direitos e deveres partidários por um ano.
O episódio balizou o distanciamento entre as duas legendas, que persiste até hoje. "Talvez se o PT tivesse aceitado entrar no governo Itamar teria aprendido mais e os erros do primeiro mandato do presidente Lula pudessem ter sido evitados", analisa o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.
Com a polarização entre tucanos e petistas, nenhum candidato sem uma coligação forte teve chances de chegar à Presidência depois de Collor. "A população entendeu que um homem só não resolve a parada. Não basta ter votos, ímpeto. É fundamental respeitar as instituições, os partidos e os adversários", conclui Carlos Melo.



