
Era uma vez uma cidade que nasceu pelo desejo de uma princesa. Mais de um século se passou, o lugar se dividiu em dois e ainda passa longe de ser o cenário de um conto de fadas. Do sonho da família imperial brasileira aos tropeços democráticos do terceiro milênio, uma trajetória de equívocos políticos colocou Cerro Azul e Dr. Ulysses, ambas cidades da Região Metropolitana de Curitiba, nos dois últimos lugares do ranking de desenvolvimento humano entre os 1.188 municípios do Sul do país.
INFOGRÁFICO: Confira como evoluiu o IDH-M de Dr. Ulysses e Cerro Azul nas últimas duas décadas
Divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no fim de julho, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mostra um abismo social entre Dr. Ulysses e Cerro Azul com relação a Curitiba. Elas estão a pouco menos de 100 quilômetros do terceiro maior IDHM entre capitais, mas a combinação de renda, educação e saúde dos municípios tem, respectivamente, resultados 34% e 31% inferiores aos curitibanos.
Cerro Azul surgiu de uma vontade da princesa Isabel de criar uma colônia agrícola às margens do Rio Ribeira. Dr. Ulysses, antes conhecida como Vila Branca, deixou de ser um distrito de Cerro Azul em 1991, na onda de emancipações que criou cerca de 81 municípios no estado após a constituição de 1988.
Instalado como município em 1992, o distrito cresceu na década de 1970, com a instalação de empresas de reflorestamento e a decisão do governo de transformar em estrada a picada que ligava a localidade ao município sede. Cerca de um século antes, o governo imperial enviava técnicos para analisarem a qualidade do solo e agrimensores para dividir em lotes os 59,6 mil hectares que formavam a chamada Colônia do Assunguy, inaugurada em 1860, que deu origem a Cerro Azul.
As terras da Colônia, em sua maioria, foram divididas entre imigrantes ingleses, franceses e alemães. Mas já nessa época a influência política pesava. Em carta escrita em 1874, o cônsul britânico Lennon Hunt diz ter ficado surpreso ao descobrir que os lotes mais próximos ao núcleo colonial haviam sido distribuídos a pessoas influentes na província e que muitos não eram explorados.
Para os imigrantes sobraram as terras mais distantes do centro, e o problema que perseguiu até 2006 a vida dos moradores de Cerro Azul já era motivo de muitas reclamações na época: a dificuldade de acesso. Registros históricos mostram que essa situação afugentou moradores da Assunguy. Apesar disso, em 1872 a colônia foi promovida à condição de freguesia de Serro Azul (na época grafava-se com S) e em 1885 se tornou uma vila.
"Houve muito incentivo do governo nesta época para o local. Arrisco a dizer que foi o período de maior prosperidade para aquela região. Depois, por que parou é difícil de explicar", comenta o sociólogo Alessandro Cavassin Alves, que estuda a história dos municípios do Vale do Ribeira. Ele destaca dois fatos como exemplos do esquecimento da região: a construção da linha férrea nos anos 1900 e o asfaltamento da rodovia entre Curitiba e São Paulo, anos mais tarde. O trem ainda passa longe, e o asfalto só chegou à rodovia que liga Cerro Azul à vizinha Rio Branco do Sul em 2006, no segundo mandato de Roberto Requião.
Isso, porém, não resultou em desenvolvimento direto. Embora o IDH da cidade tenha evoluído entre 2000 e 2010, ela foi ultrapassada por outros seis municípios do estado e agora está na penúltima colocação entre as cidades paranaenses.
Colaborou: André Gonçalves
Briga política, isolamento e muita promessa
Dr. Ulysses tem 20 anos de existência e uma história política já marcada por confusões. Em 2010, após uma longa disputa judicial, os eleitores foram às urnas para escolher um novo prefeito. Ao fim, a Justiça Eleitoral entendeu que o então prefeito, Pedro Júnior, teria comprado votos por meio da distribuição de materiais de construção e anulou o resultado da disputa de 2008.
"A briga começou em 2004 e se arrastou até 2010. Quem perdeu foi o município, que deixou de crescer e avançar", comenta o prefeito José dos Santos, que assumiu o cargo em 2010 e foi reeleito no ano passado. Porém, mais do que a questão política, Santos considera a dificuldade de acesso como um problema que afasta Dr. Ulysses do progresso.
Até hoje o acesso ao município de quase 6 mil habitantes é feito por uma estreita estrada de chão com muitas curvas. Uma viagem de cerca de 40 quilômetros até Cerro Azul pode demorar uma hora e meia. Para o prefeito, enquanto o asfalto não chegar, o município continuará longe de sair da última colocação no ranking de IDHM entre os municípios do Sul do país. "Acredito que esse asfalto ainda sai no meu mandato", diz Santos.
Segundo a Secretaria de Estado da Infraestrutura, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) está analisando o anteprojeto para a pavimentação da estrada. A empresa responsável pelo projeto executivo tem até 7 de dezembro para entregar o trabalho.
A previsão é que as obras comecem no primeiro semestre do ano que vem. Serão pavimentados 45 quilômetros. O custo total está orçado em cerca de R$ 122 milhões.




