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Antes de ser eleito, Rafael Greca, dado a bordões, dizia em toda entrevista, em todo debate, que uma cidade, mais do que governada, precisa ser educada. Atribuía essa visão a Sócrates. Depois de eleito, dialeticamente, mandou cancelar o principal evento de educação musical da cidade.

Em entrevista ao UOL, mandou pedagógico recado aos organizadores do evento: “Não me desafiem”, disse o socrático prefeito. Caso mantenham a ideia de ensinar música à juventude, cancelada aparentemente mais por birra com o atual prefeito, Greca pretende processá-los. Eis o governo dos filósofos.

Platão, o discípulo de Sócrates que tornou célebre seu ensinamento para a posteridade (o próprio Sócrates não deixou escritos), dizia que a música era o principal meio para educar jovens. Acima até da literatura e das matemáticas. Greca, que posa de platonista, diz que só quer a oficina quem faz a oficina.

Na entrevista ao repórter Rafael Moro Martins, Greca diz que a população apoia sua ideia de cancelar as aulas de música para 1,8 mil alunos de todo o país. Baseia isso em uma consulta que fez, segundo ele, na rede de computadores.

Vai mal o prefeito que sustenta suas decisões em enquetes das redes sociais. A seguir assim, Greca em breve defenderá a pena de morte e dará nome a ruas da cidade em homenagem a personagens de Game of Thrones. Em 2018, apoiará Bolsonaro presidente.

A Oficina de Música é um símbolo da cidade. Dos melhores. Muito mais importante do que qualquer coisa que Greca tenha feito pela educação da cidade. Seria um erro reduzi-la aos concertos que traz – e que são essenciais para formação de plateia. Sua base é a educação, é a pedagogia, é o conhecimento do mundo por meio da arte.

Numa cidade realmente educada, em que os prefeitos se importassem em ensinar mais do que em ter obras de arte nas suas chácaras, as citações de Greca seriam contestadas diariamente. Dado a passar uma imagem de renascentista, de poeta erudito, o prefeito vive trocando pés por mãos.

Em 2010, na Assembleia Legislativa, usou uma expressão em inglês para criticar seus pares: “Shame on you”, que traduziu (com a precisão de um tradutor digital da internet) como “Vergonha sobre vocês”. Quando outro deputado disse que não sabia o que era aquilo, inventou que era Shakespeare, que era Hamlet. Ganha uma cópia assinada pelo príncipe da Dinamarca quem achar essa citação na peça.

Na sabatina para a Gazeta do Povo, antes da eleição, antes de começar a dizer que o pessoal da cultura não devia desafiá-lo, o então candidato disse que sempre daria para a cultura mais do que a lei exige. E que a classe cultural devia apresentar bons projetos para ser parceira da futura administração.

Disse que dinheiro não era o problema. Que bastava ter criatividade. E que a criatividade era da pessoa. “É como o chulé, é da pessoa. Ou tem, ou não tem.” Às vezes a pessoa tem criatividade para criar frases de efeito. Mas não para salvar o evento cultural mais relevante da cidade. Acontece.

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