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O projeto que criminaliza a homofobia coloca uma situação curiosa para o Estado brasileiro. Faz com que duas liberdades sejam colocadas em confronto. É preciso decidir de qual delas faz mais sentido abrir mão.

Na maior parte, o projeto não tem qualquer motivo para contestação. A proposta proíbe, por exemplo, que alguém seja demitido por ser gay. Ou que alguém tenha qualquer direito negado por ser homossexual. A não ser por algum radical, dificilmente alguém vai negar que isso apenas estabelece direitos básicos para um grupo que, historicamente, têm realmente sido alvo de preconceitos.

O ponto a ser discutido, porém, é outro. É sobre a incitação à homofobia. Aqui é que os evangélicos, que conseguiram evitar a discussão e a votação no Congresso nesta semana, reclamam. Na verdade, não são apenas eles. Mas, como têm aparecido mais, vale destacar o seu papel na discussão

Os evangélicos dizem que o projeto coloca em risco a liberdade de expressão e a própria liberdade religiosa deles. Pela crença que têm, a homossexualidade é condenável, e querem poder dizer isso em seu culto, ou mesmo fora dele. Os homossexuais, por outro lado, querem ter o direito de viver como qualquer pessoa, com os mesmos direitos e sem riscos de serem hostilizados por isso.

O projeto na sua versão atual até minimiza o problema ao dizer que religiosos podem defender dogmas e crenças desde que não incitem a violência contra os gays.

Mesmo assim, pastores continuam acreditando que têm seus direitos cerceados. Querem incitar a violência? Espera-se que não. Mas querem, por exemplo, dizer que a homossexualidade é uma perversão. E, portanto, tratar os homossexuais como pervertidos. O que, claramente, causa preconceito e disposição desfavorável às pessoas.

Eis o dilema: duas liberdades em confronto.

Mas é preciso levar em conta que o Estado brasileiro é laico. E que deve seguir a tradição do Estado liberal. Rousseau, por exemplo, chegou a defender que religiões que não aceitassem a salvação fora da Igreja fossem proibidas.

Menos radical, John Rawls, um dos grandes teóricos do liberalismo, escreveu sobre isso em Uma Teoria da Justiça, um clássico sobre o Estado moderno, num capítulo que se chama Tolerância com os intolerantes.

A pergunta dele é sobre o que fazer quando há esse tipo de confronto. E a resposta é que as re­­gras do Estado nunca podem ter qualquer influência da metafísica. Ou seja: as regras do que é justo só podem ser definidas com base em argumentos de bom senso e nunca podem depender de definições de crença ou teológicas. Têm de ser gerais e compreensíveis por todos.

Todo mundo consegue compreender que hostilizar alguém é errado. Que cada um tem direito de levar a vida sexual que entender, desde que não prejudique ninguém (o direito de um acaba onde começa o direito de outro). Nem todos, porém, entendem uma regra ditada pela religião. Aqui, cada um pode ter seu ponto de vista.

A solução, portanto, pela teoria, não é difícil. A liberdade do indivíduo, aqui, fala mais alto do que a liberdade de expressão. Chegar a um consenso sobre isso? Aí são outros quinhentos.

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