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Quem tem o olho um pouco treinado e observa o mapa dos homicídios de Curitiba logo percebe algumas coisas. A primeira é que há um acúmulo nas margens, na periferia: o desenho faz um "V" começando na Cidade Industrial e chegando ao Cajuru, do outro lado, mas desviando quase toda a área central. No miolo, há bolsões onde também existem crimes, como os do Parolin e da Vila Torres. E há os oásis de tranquilidade.

O mapa, disponibilizado no site desta Gazeta, foi feito a partir da análise de mil homicídios. Não é completo, mas é o que se tem, já que a Secretaria de Segurança Pública não divulga o mapa oficial. E ele ajuda a dar pistas sobre os motivos da impunidade dos assassinatos ocorridos na capital. Os crimes são mais comuns na periferia, onde há menos pressão social por sua resolução. A bolha central é furada mais raramente. E para os famosos "formadores de opinião" muitas vezes a tragédia fica oculta.

Mas que a tragédia existe, disso não há dúvidas. O ponto, é preciso ser claro, é que no fundo a discussão de segurança pública acaba mesmo se dando em termos geográficos. Há os habitantes das periferias, das favelas, dos bairros mais pobres. E parece que os responsáveis pela segurança, os políticos e – convenhamos – os cidadãos dos bairros mais privilegiados perderam a capacidade de se chocar com o fato de centenas "deles" estarem morrendo por ano. De estarem morrendo todos os dias. De estarem morrendo pela mais evitável causa de morte: o assassinato.

Os crimes que mais chocam são os que furam a bolha. Aí sim o governador tem de prestar explicações, o secretário pode cair e a polícia passa a ter de prestar contas do que está fazendo parar apurar o caso. Parece que a cidade, mesmo vendo a epidemia de assassinatos em suas margens, decidiu fazer uma aposta: enquanto as vítimas forem em sua maioria pobres e/ou ligadas a crimes, não é preciso fazer muito mais do que se está fazendo.

A delegacia registra o caso, mas ouve poucas testemunhas. A Polícia Científica faz os laudos elementares, mas não recebe pedido de perícias mais complexas. O caso fica dormindo nas gavetas da burocracia. E quatro ou cinco anos depois, as autoridades, pressionadas pelas metas estabelecidas, decidem que o melhor é encerrar por ali mesmo, apesar de nada ter sido descoberto. Como não há passeatas cobrando resolução de assassinatos na periferia, tudo o que resta para o governo de plantão explicar é mais um número na estatística trimestral.

E é preciso registrar isso: não se trata de uma aposta do atual governo, nem de quem está atualmente à frente da polícia. Não é algo recente. Os dados da série "Crime sem castigo" cobrem quatro anos da vida curitibana. Nesse período, houve três governadores, três secretários de Estado, quatro chefes da Polícia Civil e três delegados da Homicídios. Talvez quem esteja bancando a aposta, no fundo, não sejam essas pessoas, mas os cidadãos em geral que elegem os governantes e que cobram uma solução para o problema.

O que a série de reportagens mostra, porém, é que a aposta está ficando muito arriscada. Os crimes se multiplicam e, com a impunidade à vista, o perigo aumenta a cada dia. Se não há punição, aumenta o incentivo para o crime. E quem disse que a fronteira geográfica continuará de pé?

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