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Na Nova York dos anos 90, a meninada das gangues passava três noites fazendo suas inscrições nos trens do metrô. No primeiro, pintavam uma base branca. No segundo dia, já com a tinta seca, faziam o desenho. No terceiro, coloriam. Durante anos tinha sido assim. Mas naquela época, ao fim do terceiro dia, depois de deixar a molecada fazer todos os preparativos, os fiscais iam lá e repintavam o trem imediatamente. Malcolm Gladwell conta em seu "O Ponto de Desequilíbrio" que os "artistas" chegavam a chorar.

Os trens não chegavam a iniciar a próxima viagem caso estivessem pichados. É a famosa história da tolerância zero. Baseia-se no princípio de que o ambiente influencia o comportamento das pessoas. No Brasil, seria interessante ver candidatos pelo menos discutindo o assunto. A impunidade por aqui tem muito a ver com a famosa teoria da janela quebrada. Diz a tese que, ao ver uma vidraça quebrada que não é consertada, a multidão tende a ver o local como abandonado. E logo todos os demais vidros serão estilhaçados.

O caso recente da disputa entre o Tribunal de Contas e os prefeitos do Paraná é exemplar. Os prefeitos enxergaram a janela quebrada: nunca o governador do estado, seja ele quem for, é punido pelos conselheiros. Não importa o que faça: se descumpriu os deveres constitucionais, se não investiu o mínimo em saúde, se as contas não fecham. Na época do governo Requião, o conselheiro Artagão disse que era preciso "votar com o coração", e aliviou para o governante. Nestor Baptista, no governo Richa, fez o mesmo: disse que só puniria um governador "ladrão".

Os prefeitos, que não gozam do mesmo poder de influência sobre os corações dos conselheiros, acharam que tinham direito a estilhaçar todas as outras vidraças. Como dizia o célebre Barão de Itararé, já que não se restaura a moralidade no TC, que a bagunça beneficie a todos. Não pediram, é claro, com todas as letras, permissão para fazer o que quisessem. Mas pediram que seus enganos e desvios sejam tratados com a mesma benevolência destinada ao Palácio Iguaçu. Como a benevolência destinada ao governo é infinita, teria de ser igualmente infinita para todos.

A tolerância zero exigiria não maior benevolência com os prefeitos, mas maior rigor com o governo. Se as coisas continuarem como estão, uma das poucas certezas que se tem para o próximo mandato é de que o governador, seja quem for, poderá fazer o que quiser, e sairá impune. E a impunidade é a doença mais grave da gestão pública brasileira. Aqui, tudo passa como se nada fosse. Os próprios conselheiros se dão ao direito de, repentinamente, cobrar explicações de prefeitos justamente no momento em que eles se revoltam contra o tribunal. As denúncias são de anos atrás, mas quem se importa? Só agora, por algum motivo, ganharam relevância.

Os candidatos a presidente deveriam apresentar propostas para eliminar os tribunais de contas em seu atual formato. Deveriam ser drasticamente reformados, eliminando o caráter político da escolha de seus integrantes. Mas, claro, ninguém fará isso. O PT e o PSDB se beneficiaram do mesmo esquema em seus mandatos. E Eduardo Campos conseguiu colocar a própria mãe como conselheira do Tribunal de Contas da União. A tolerância, pelo menos por enquanto, continuará tendendo ao infinito.

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