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Celso Nascimento

A história do edital fantasma

Fraude é uma palavra muito pesada para definir o que aconteceu em dezembro de 2009, quando do lançamento do edital de licitação para escolha de empresas para exploração do serviço de transporte coletivo de Curitiba. Vamos substituir a palavra por outra mais leve: a concorrência, tudo indica, foi irregular. Uma irregularidade nada corriqueira ou desimportante, mas capaz até de levar à anulação do ato.

É o que aponta um trabalho sobre o qual se debruçou nos últimos dias uma equipe de especialistas a partir da desconfiança – suscitada por esta coluna na edição do último dia 16 – de que na reta final do seu lançamento apareceu uma versão "fantasma" do edital, com diferenças substanciais em relação à original. Uma observação: todos os documentos consultados são públicos e foram disponilizados no site da Urbs por sua atual diretoria.

É normal que aconteçam alterações até a véspera ou mesmo depois da publicação de um edital quando destinadas a cobrir lacunas, esclarecer dubiedades, corrigir possíveis ilegalidades. Entretanto, qualquer mudança precisa ser chancelada por um parecer jurídico, conforme determina a Lei das Licitações (n.º 8.666, artigo 34), antes da publicação.

Não foi o que aconteceu. Em 18 de dezembro de 2009, o assessor jurídico da Urbs Rodrigo Grevetti apontou inconformidades no primeiro edital e solicitou que a Área de Licitação procedesse às correções. O normal é que, feitas as correções, o edital voltasse para análise do Jurídico. A nova versão não só não retornou como apresentou mudanças e acréscimos, conforme se vê no edital final publicado em 29 de dezembro.

Juristas consultados pela coluna reafirmam: o simples fato de as alterações não terem sido apresentadas e aprovadas ao Jurídico já daria causa à anulação da concorrência e responsabilização penal dos gestores da época, envolvendo tanto os diretores da Urbs como os prefeitos sob cujos mandatos se desenvolveu o processo.

As mudanças não foram inocentes. Ao contrário. Uma delas, para citar um exemplo, abriu a possibilidade (antes proibida) de que empresas pertencentes a um mesmo ramo familiar pudessem participar de consórcios diferentes. Assim, não é por acaso que a família Gulin, sócia em cinco das 11 empresas de ônibus, participe de três dos quatro consórcios vencedores. Os Gulin exploram linhas que correspondem a cerca de 60% do movimento de passageiros de Curitiba.

Outras diferenças foram detectadas na comparação entre uma versão e outra, dentre as quais destacam-se mudanças em fórmulas de cálculo de rentabilidade, supressão de responsabilidades, diminuição de encargos etc. Tudo sem falar de vestígios com aparência de direcionamento.

A prefeitura informou ontem à tarde que as questões levantadas passarão por auditagem e, se comprovadas as irregularidades, pedirá providências ao Ministério Público Federal. O ex-presidente da Urbs, Marcos Isfer, não foi localizado.

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