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Os antigos reis de Portugal não achavam de bom tom usar a primeira pessoa do singular em seus éditos. Ainda que suas decisões fossem pessoais – como mandava o figurino dos regimes absolutistas –, preferiam dirigir-se ao povo com mais modéstia. E daí adotavam a fórmula “Nós, el-rei, fazemos saber...”. É o chamado “plural majestático”.

O plural majestático também é usado com frequência pelo governador Beto Richa. “Somos intolerantes com a corrupção”, repete com a mesma modéstia dos soberanos portugueses a cada oportunidade em que precisa tratar de questões que envolvam desvios éticos na administração estadual.

Candidato? 1

Estaria apenas na dependência de um “sim” da direção estadual do PTB o surgimento de um inesperado fato político: o lançamento da candidatura do ex-governador Orlando Pessuti à prefeitura de Curitiba. Mal ajambrado no PMDB desde que seu maior desafeto (político e pessoal), senador Roberto Requião, tomou conta do partido, Pessuti aceita com indisfarçável ânimo o movimento de alguns políticos que acreditam que há espaço para a candidatura.

Candidato? 2

Se o movimento a favor de seu nome prosperar, Pessuti vai arrumar as malas para sair do PMDB, sigla única em que militou nos últimos 40 anos. O PTB é uma das opções de destino, mas não são descartáveis outras legendas menores. A definição para a mudança de partido terá de se dar até o início de outubro – prazo fatal de um ano que antecede a data da eleição do ano que vem.

A intolerância – singular ou plural –, no entanto, não se mostrou tão eficaz quanto quer fazer parecer, tantos são os casos que pipocam no governo. Nenhum governo está livre de maus comportamentos de seus servidores, nem o governante tem condições de estar atento a tudo que fazem seus subordinados.

Mas o que chama atenção é a longevidade dos muitos casos que vieram à tona só muito recentemente. A corrupção na Receita Estadual, por exemplo, segundo o que diz o Ministério Público, é coisa antiga e recorrente em todos os governos dos últimos 35 anos. Mas, nos quatro anos da primeira gestão de Richa, tomou dimensões inusitadas e com o formato de uma organização criminosa.

A intolerância pode ser, então, colocada em dúvida, já que – como demonstraram as investigações do Gaeco – o esquema de achaques e propinas praticado por agentes da fiscalização tributária tinha a participação de gente do círculo mais íntimo de amizades.

Apesar desta proximidade, Richa não notou nada e nenhuma providência parece ter tomado nos quatro anos em que viu circular em seu gabinete o primo distante Luiz Abi, apontando como coordenador do esquema. Nada percebeu de anormal também na atuação de um chefe da fiscalização que dividia com ele o volante de bólidos nas corridas das “500 milhas”. Ao contrário, este e outros chegados foram promovidos e alçados a posições estratégicas na estrutura superior da Receita Estadual.

A intolerância foi cega também no caso de outro amigo – antigo companheiro de partidas de tênis – nos desvios de dinheiro público para a construção de escolas. Está preso o tal amigo, Mauricio Jandoi Antonio, ex-presidente da Fundepar e assessor da Governadoria, por ter sido pilhado num esquema que pagava como prontas obras que mal tinham saído do papel. Só se soube disso quando um servidor honesto da Secretaria da Educação, Jayme Sunié Neto, denunciou a maracutaia ao superior para, em seguida, ser inexplicavelmente exonerado.

Claro, como já foi frisado aqui, um administrador público de primeiro escalão nem sempre tem condições de tudo ver, como se tivesse olhos também na nuca. Um governante que seja singularmente intolerante com a corrupção teria criado sistemas mais eficientes de controle interno, de tal modo que seus olhos se multiplicassem e lhe dessem condições de tomar medidas mais imediatas. É no mínimo estranho nada se perceber durante tantos anos em que rolou solta a corrupção milionária na Receita Estadual e ao longo do tempo em que obras escolares inexistentes eram pagas.

E daí vem a pergunta inevitável: quantos mais esquemas ainda estão sendo operados? Quantos outros não foram descobertos e seus autores permanecem desconhecidos?

Ok! Para fiscalizar os Poderes existem o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Assembleia Legislativa, a Justiça, a Polícia... – mas o meio mais imediato e eficaz para conter a corrupção seria o de, internamente, cortar o mal pela raiz sem esperar que estas instituições (quando e se o fizeram) revelem casos tão graves quanto os já revelados até aqui.

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