Constrangedora a forma como Marta Suplicy foi forçada a desistir da disputa pela prefeitura de São Paulo. Mais uma vez, Lula escolheu o candidato por conta própria (o ministro da Educação, Fernando Haddad) e o PT engoliu a indicação sem mastigar. Depois que deu certo com Dilma Rousseff, ninguém parece disposto a questionar a fórmula.
É uma pena porque, falem o que quiserem dos petistas, eles ainda são o que sobra de organicidade partidária no Brasil. Ainda. A cada dedada de Lula ou de qualquer liderança para interferir em uma disputa interna, a legenda derrapa rumo à vala comum.
Curitiba segue no mesmo caminho. Desde 1985 o partido lançou candidatos em todas as eleições na capital paranaense. Hoje está mais próximo de fechar uma aliança com o PDT de Gustavo Fruet.
Formar coligações é normal em qualquer lugar do mundo, o estranho é a falta de debate. Pré-candidatos, os deputados Dr. Rosinha e Tadeu Veneri vêm sendo solenemente ignorados, tratados como "café com leite". Quanto mais espernearem, mais correm o risco de seguir o destino de Marta.
O sufocamento da democracia interna dos partidos é talvez o mal mais perigoso da política brasileira. A concentração de poderes nas mãos de uns poucos caciques afasta o interesse já esparso da população. Em consequência, a discussão partidária fica limitada à picuinha de quem se sai melhor nas pesquisas ou quem é capaz de amealhar mais contribuições de campanha.
Isso vale para todas as legendas, independentemente do perfil ideológico. Fruet, por exemplo, sentiu o drama na pele duas vezes. Em 2004, lutou com todas as forças para ser candidato a prefeito pelo PMDB e acabou esmagado pelo então governador Roberto Requião, que decidiu apoiar o petista Angelo Vanhoni.
Neste ano, a mesma novela, com protagonistas diferentes. O atual governador Beto Richa barrou a candidatura de Fruet pelo PSDB. Coube ao ex-deputado trocar mais uma vez de partido.
Há exemplos e mais exemplos. Antes da última campanha presidencial, Aécio Neves e José Serra se digladiaram por quase dois anos pela candidatura do PSDB. Nunca se soube, porém, qual era a diferença programática entre eles o confronto ficou limitado a uma guerra de nervos entre paulistas e mineiros que no fundo só contribuiu para a vitória de Dilma.
Em todos esses casos a realização de prévias soa como blasfêmia. A própria Marta disse temer que o PT saísse "estraçalhado" de uma disputa interna em São Paulo. Faz sentido? Não que os Estados Unidos sejam o melhor exemplo do mundo, mas vale lembrar que Barack Obama e Hillary Clinton quebraram o pau ininterruptamente durante seis meses nas primárias de 2008. Nem por isso os democratas se estraçalharam. Elegeram o primeiro presidente norte-americano negro e Hillary ocupa hoje o principal ministério do país.
Confrontar ideias faz parte da democracia (aliás, é a melhor parte dela). Quando os partidos abrem mão do debate, se fecham em estruturas de defesa de interesses privados. É como uma fraude do sistema: o eleitor tem direito a voto, mas tem de engolir candidatos com os quais não se identifica.
O assunto pode até parecer devaneio. Não é. Quem repara na onda de protestos pelo mundo (incluindo as manifestações contra a corrupção no Brasil) percebe a quantidade de gente que não se sente representada politicamente.
Os partidos ainda não pescaram essa ideia, mas a sociedade, sim.



