Nunca antes na história deste país um presidente usou tanto o futebol para explicar a política. A simplificação, seja pelo linguajar boleiro ou pelas palavras de metalúrgico, é talvez o maior cacoete de Lula. Característica castigada pelos intelectuais, mas que revolucionou a maneira de explicar o funcionamento da máquina burocrática ao brasileiro comum.
Quando disse que a eleição presidencial de 2010 não terá "trogloditas" de direita, na semana passada, o presidente sem querer retomou esse recurso. Os trogloditas do futebol assim como os volantes à la Dunga estão em extinção. Ele só esqueceu-se de um detalhe: os ogros da esquerda desapareceram há muito mais tempo.
Na verdade, direita e esquerda continuam sendo as mesmas irmãs briguentas do mundo dos livros, só que muito mais próximas uma da outra. Na teoria, a direita ainda é pautada pela liberdade, enquanto a esquerda, pela igualdade. A direita prega a mínima intervenção do Estado na economia, já a esquerda defende o governo como protagonista do setor.
Assim como o antigo 4-4-3, o conceito histórico funcionou por longas décadas sem maiores firulas. Até que há 20 anos caiu o Muro de Berlim. Acontecimento que sepultou os ogros da esquerda pelo mundo afora e, com eles, o conceito de Estado máximo.
Exatamente na mesma época desapareceram de vez os pontas (direita e esquerda!) do futebol. Na política e no esporte sobraram aqueles que se adaptaram. Entre eles, o atacante Romário e o sindicalista Lula.
Se o petista não tivesse rumado ao centro e aperfeiçoado a plataforma econômica de Fernando Henrique Cardoso, não teria hoje a aprovação recorde dos brasileiros, nem reconhecimento internacional. Na mesma medida, o próximo presidente não terá como extinguir programas sociais como o Bolsa Família. Direita e esquerda viraram, mais do que nunca, opostos que se atraem.
Por essas e outras soa muito estranho o recrudescimento ideológico de algumas discussões, especialmente sobre o pré-sal. Há tempos a ala trotskista do PT tenta jogar o PSDB nas cordas ao dividir a discussão entre "nacionalistas", de esquerda, e "entreguistas", de direita. O tema, no entanto, é bem mais complexo do que o maniqueísmo entre esquerda e direita.
Na verdade, trogloditas, ogros e afins estão fora do páreo presidencial desde que Collor venceu as eleições, curiosamente no mesmo ano da queda do muro. FHC pode ser definido como neoliberal, mas jamais como um direitista raivoso. José Serra, menos ainda.
Até o legítimo herdeiro da velha direita, PFL, teve de transformar-se em Democratas para escapar do extermínio. E no único reduto governado pelos "demos", o Distrito Federal, o carro-chefe da administração são as bolsas sociais.
O fato é que direita e esquerda roubaram conceitos uma da outra para sobreviver. Não é um fenômeno brasileiro, aconteceu no mundo inteiro e ainda está em adaptação. Em síntese, um aperfeiçoamento político.
Cortando o papo sobre trogloditas, Lula carrega o mérito de ter percebido que as pessoas normais não estão interessadas em fundamentos que são uma beleza nos livros, mas que significam muito pouco no mundo contemporâneo da internet e do canibalismo em busca de emprego. O que o cidadão mais deseja é viver bem, mas só consegue isso quando a igualdade mistura-se com a liberdade. Simples assim, sem confusão.
O resto é briga de torcida.



