Flávio Arns é um dos raros senadores que não gosta de holofotes. Sotaque carregado, ar bonachão, está sempre distante dos bate-bocas, desvia dos escândalos. Na semana passada, porém, ele ensinou aos colegas a diferença entre discrição e omissão.
O paranaense teve o seu dia de fúria ao anunciar em público que estava "envergonhado" de integrar o PT, após o papelão da legenda a favor do arquivamento das investigações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Disse também que deixaria o partido, nem que isso custasse uma desgastante briga judicial para cumprir o mandato até janeiro de 2011.
Na mesma quarta-feira, o líder da bancada petista no Senado, Aloizio Mercadante, garantiu que renunciaria ao posto. Dois dias depois, voltou atrás e renunciou à renúncia segundo ele, graças aos apelos pessoais do presidente Lula.
As atitudes de Arns e Mercadante foram uma aula de política brasileira contemporânea. Há uma semana, Mercadante (esse sim, um dos pavões do Congresso Nacional) tinha prestígio, história, despertava admiração entre os petistas da velha guarda.
Colocou tudo a perder. Primeiro não conseguiu fazer o partido se desvencilhar das amarras de Sarney. Depois aceitou a humilhação imposta por Lula e seguiu no cargo.
Ao contrário do que dizem muitas previsões, no entanto, Mercadante não está arruinado. Apenas trocou de time. Transformou-se em uma espécie de Renan Calheiros (PMDB-AL) ou seja, está entre os que parecem ter desaparecido, mas que continuam mandando no pedaço.
A postura de Mercadante evidencia como o poder mudou o PT desde que o partido chegou ao Palácio do Planalto, em 2003. Após o vale-tudo para superar o escândalo do mensalão e garantir a reeleição de Lula em 2006, agora a ordem é fazer qualquer negócio para manter a aliança com o PMDB em 2010.
Será então o PT a raiz de todas as mazelas do jogo político brasileiro? A trajetória do próprio Flávio Arns comprova que não.
Em 2001, Arns era deputado federal pelo PSDB quando assinou a proposta de abertura da CPI da Corrupção, que constrangeria os últimos meses do governo FHC. Censurado pelos tucanos, sob ameaça de expulsão da legenda, decidiu migrar para o PT.
Surpreendentemente elegeu-se senador em 2002. Desde então viu a inversão de papéis entre os dois partidos de perto e há tempos ensaiava buscar um novo rumo.
Até que surgiu o episódio Sarney e o tal dia de fúria. É sempre bom lembrar que Arns não é membro do Conselho de Ética e que não tinha nada que discursar durante a sessão que livrou o presidente do Senado. Foi estranho ver o paranaense logo ele usar os holofotes para colocar ainda mais lenha na fogueira.
Arns não tinha nada a ganhar com o que fez. Segundo as pesquisas, ele tem poucas chances de se reeleger em 2010, possibilidades que ficam ainda menores com a saída do PT.
Era também óbvio que as palavras de Arns não seriam suficientes para estragar a pizza preparada com esmero pelos colegas para salvar Sarney. Era óbvio, mas isso não serviu de desculpa para se esconder.
Em resumo, enquanto Mercadante foi mais do mesmo, Arns foi uma lufada de esperança. Sim, a esperança de que as coisas melhorem ainda existe. Só não se sabe quanto tempo ela vai durar.



