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O Coro da Multidão

Convocatória para um Paraná transparente

É ingênuo pensar que o governante eleito democraticamente será o mais preparado para governar. Assim pensa Juan C., um escritor octogenário, personagem de J. M. Coetzee na obra "Diário de um ano ruim". Segundo o personagem, a regra de sucessão numa democracia não é uma fórmula para identificar o melhor governante; "é uma fórmula para atribuir legitimidade a um ou outro e assim evitar o conflito civil". "O eleitorado – o demos – acredita que sua tarefa é escolher o melhor, mas na verdade sua tarefa é muito mais simples: ungir um homem, não importa qual", sentencia o Juan C..

O texto provocativo de Coetzee serve como ponto de partida para uma discussão relevante. Suponha que o personagem esteja certo. Nessa hipótese as eleições não seriam eficientes em ungir o candidato mais preparado, mas apenas legitimariam o procedimento de escolha do governante. Porém, ainda assim haveria uma boa margem para a sociedade conseguir bons frutos do sistema democrático, já que ela pode firmar compromissos com os representantes eleitos.

Um desses compromissos que traria bons resultados para a democracia é o de ampliar os mecanismos de transparência e controle sobre o uso de bens públicos. Ora, se não conseguimos escolher o mais preparado, podemos, ao menos, escolher aqueles que se comprometem em tornar os atos do Estado mais transparentes.

Hoje o Paraná vive a farsa da transparência. Se você já teve a boa vontade de entrar em um Portal de Transparência no estado, certamente desistiu de procurar qualquer coisa. Se quiser, por exemplo, saber a remuneração de um membro do Ministério Público, ou de um alto funcionário de estado, você precisa fornecer seus dados, incluir nome e CPF. Se quiser comparar gastos de deputados, vai ter de abrir dezenas de tabelas e extrair cada um dos dados desejados. A sociedade prossegue impedida de acessar bancos de dados do estado para download. Falta didatismo. Tudo é feito para ser chato, difícil e obscuro.

Vivemos num cenário de desprezo ao ideal republicano de transparência. Esse panorama, entretanto, pode ser mudado em outubro. Mas isso depende dos cidadãos. E aqui está o desafio para todos os eleitores do estado. Que tal mobilizar a sociedade paranaense em favor da transparência? Não da retórica da transparência, mas da verdadeira, em que a administração se preocupa em apresentar informações de forma didática e disponibilizando bases de dados públicos sem obstáculos.

Entidades de classe, sindicatos, movimentos sociais e cidadãos interessados podem organizar um amplo movimento e fazer a diferença ao reivindicar que todos os candidatos a governo do estado assinem um documento em que, caso sejam eleitos, se comprometem a adotar todos os procedimentos necessários para que o Paraná seja um modelo de transparência pública.

Associações de classe estão­ acostumadas apresentar uma pauta de reivindicações do setor a cada eleição, o que é legítimo. Mas, em vez de defender apenas interesses setoriais, poderiam alavancar esse ambicioso projeto que vai beneficiar toda a sociedade. O personagem de Coetzee traz reflexões incômodas, mas muito oportunas para que a sociedade saia dessa zona de conforto em que se encontra. Em outra passagem da obra, Juan C. diz que "você tem a todo momento de relembrar a si mesmo como é ver-se cara a cara com o Estado na pessoa do funcionário estatal. Então pergunte a si mesmo: Quem serve quem? Quem é servidor, quem é senhor?"

Sem o compromisso pela transparência, nós, cidadãos, vamos continuar vivendo como servos, tendo de implorar para que administração pública forneça informações que são da sociedade, mas que os dirigentes recusam a fornecer de bom grado. Nesse cenário, os detentores de cargos públicos continuarão sendo nossos senhores.

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