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O Coro da Multidão

Resistência à modernização

Imagine que você vive num condomínio e o síndico decide não divulgar o quanto paga aos funcionários. Como os custos são pagos por você, por meio da taxa de condomínio, certamente você acharia isso um absurdo. Faria o maior barulho para que a planilha de pagamentos fosse aberta a todos os interessados. Se você concorda que a decisão do síndico seria um absurdo, porque não se mexe para protestar contra a recusa da Assembleia Legislativa do Para­­ná em divulgar o valor das gratificações pagas aos funcionários?

Até o momento, a Assembleia não publica na internet os valores das gratificações que paga aos servidores do Legislativo. O Legislativo estudual nega a você – contribuinte – o direito de saber se os recursos provenientes dos impostos estão sendo bem empregados.

A razão disso,conforme declarações do presidente do Legislati­vo, Valdir Rossoni (PSDB) dadas à Gazeta do Povo, é que a divulgação seria proibida. Rossoni afirmou que, segundo a procuradoria jurídica da Casa, se esses da­­dos fossem publicados a Assem­­bleia estaria violando o direito à intimidade dos servidores.

De fato, a situação comporta um confronto entre transparência pública versus intimidade dos servidores. Mas há divergência sobre o fato de a intimidade ter de prevalecer no caso apresentado. Isso porque o agente público pode tomar duas decisões diferentes. Ambas são escolhas políticas, mas apresentam diferentes concepções da amplitude da esfera pública.

Se o político adotar uma perspectiva republicana, entenderá que não há violação de intimidade na divulgação das gratificações dos servidores. Isso porque, dentro dessa visão, considera-se que a transparência pública é crucial para o controle dos atos dos governantes e para assegurar que os bens públicos não sejam apropriados indevidamente para fins privados. O dano ao direito de intimidade é mínimo, se comparado aos frutos proporcionados pela transparência, na defesa das instituições. Assim, é legítimo que o interesse mais geral da sociedade (de transparência) se sobreponha ao interesse pessoal do servidor (de resguardar sua intimidade).

Se o administrador, entretanto, adotar uma perspectiva tradicional, a divulgação das gratificações violará o direito à intimidade. Por esse ponto de vista, o direito à intimidade representado pela publicação da remuneração do servidor jamais poderia ser violado, mesmo que isso signifique sacrificar o controle social das instituições. Essa visão possui um ranço patrimonialista. Público e privado se confundem, proporcionando benefícios a uns poucos cidadãos em detrimento do direito do cidadão em ter acesso aos dados dos gastos públicos.

O presidente da Assembleia fez a opção política pelo viés pa­­trimonialista, adotando um mo­­delo de transparência limitada, o que indica a resistência do Le­­gislativo estadual em se livrar de seus arcaísmos institucionais. Além disso, demonstra também que a propaganda feita pelo Le­­gislativo, em outdoors – "Eco­­nomia de R$ 90 milhões. O Para­­ná pediu, a Assembleia mudou" – é apenas uma meia verdade.

De fato, a Assembleia lentamente está mudando. Porém, mais devagar do que a sociedade mudou. Da mesma forma que ninguém aceitaria que o seu condomínio pagasse remunerações secretas a funcionários, não é admissível que o Legisla­tivo paranaense, custeado por impostos, recuse-se a prestar contas adequadamente de suas despesas. Falta, entretanto, que os protestos dos contribuintes sejam tão intensos quanto se­­riam os dos condôminos na vida privada.

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