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O Poder Legislativo brasileiro não quer deixar a infância. Para chegar a essa conclusão, basta observar o comportamento dos parlamentares quando se trata de formar comissões investigatórias. Fazem acordos para acomodar interesses, blindar amigos ou evitar que irregularidades venham à tona, seja no âmbito federal ou estadual. Usam argumentos pueris que não resistem à crítica mais rasa. Porém, nós, cidadãos, aceitamos calados argumentos que não toleraríamos nem mesmo de crianças.

Veja-se um primeiro exemplo. Depois que a Gazeta do Povo mostrou a existência de indícios de irregularidades na gestão do fundo rotativo da Polícia Civil, o deputado Tadeu Veneri (PT) chegou a propor a instalação de uma comissão especial de investigação (CEI) na Assembleia Legislativa do Paraná. O líder do governo na Casa, Ademar Traiano (PSDB), entretanto, rejeitou a necessidade de o Legislativo investigar o caso porque "essa seria uma questão de ordem administrativa do Executivo" e que a "melhor resposta foi a ação rápida por parte do governo para responsabilizar e punir os possíveis envolvidos". Numa sociedade em que a segurança está sob ameaça constante, só com muita boa vontade para acreditar que o problema apontado é uma questão simplesmente de "ordem administrativa".

Entretanto, se havia alguma dúvida na necessidade de fiscalização, ela foi sepultada ontem, após o escândalo dos "mordomóveis". A reportagem de Mauri Konig, Diego Ribeiro, Felipe Aníbal e Albari Rosa, publicada pela Gazeta do Povo no domingo, mostrou que membros da cúpula da Polícia Civil usam viaturas para ir à praia, compras e bordel.

Caso a instalação de uma comissão investigatória volte à pauta da Assembleia, é provável que siga o roteiro de sempre. De um lado, governistas vão querer impedir a instalação da comissão e acusar a oposição de "politizar" o problema. De outro, os oposicionistas vão querer forçar a aprovação da comissão e acusar a base aliada de blindar o governo. E a simplificação do problema, numa luta entre base aliada e oposicionistas, não resultará no fim da crise na Secretaria de Estado de Segurança.

Esse script só ocorre porque as comissões parlamentares de investigação sofreram uma deturpação ao longo do tempo. Originalmente, elas foram instituídas na Constituição como forma de assegurar o poder de fiscalização das minorias. Podem ser excelentes instrumentos investigatórios. Como uma das funções dos parlamentos é fiscalizar o Poder Executivo e como se pressupõe que serão conduzidas em favor do interesse público, não haveria razões para governistas impedirem a instalação de uma comissão.

O problema é que, de tão mal usadas, as comissões de investigação se tornaram uma encenação infantil. Veja-se um segundo exemplo. Há duas semanas, o deputado Cândido Vacarezza (PT-SP) foi flagrado enviando mensagem pelo celular ao governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), durante sessão da CPI do Cachoeira. Na mensagem, registrada por um cinegrafista do SBT, Vacarezza declarou que a "relação com o PMDB vai azedar na CPI", mas garantiu que Cabral não precisa se preocupar.

Após o episódio, Vacarezza negou que a mensagem representasse uma tentativa de blindar o governador do Rio, cujas fotos e vídeos divulgados no Blog de Anthony Garotinho evidenciam a proximidade festiva que tem com o empresário Fernando Cavendish, proprietário da construtora Delta. Entretanto, Vacarezza disse ser "contra fazer da CPI uma câmara de inquisição que faz devassa sobre a vida das pessoas". Devassa na vida de Cabral? O deputado podia poupar a sociedade de frases de efeito sem o menor sentido.

Nos dois casos, se houvesse maturidade parlamentar, o roteiro seria diferente. Não haveria restrições para uma comissão especial investigar denúncias de irregularidades na Polícia Civil do Paraná, nem haveria problemas de a CPI do Cachoeira convocar Sérgio Cabral.

A síndrome do Peter Pan – aquela dos adultos que se recusam a crescer – faz os parlamentares insistirem em atos reconhecidamente desastrosos. Fingem preocupação com o bem público, falam alto, brigam. Mas não apresentam resultados efetivos. Infantilizados, iludem-se que a população aceita a retórica rasa. Enquanto isso, nós, os cidadãos, vamos tolerando o teatrinho sem achar graça.

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