
A tendência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mensalão, em resgatar a interpretação do artigo do Direito Penal que condena a corrupção sem exigir ato de ofício deve refletir diretamente nas ações penais de corrupção em curso na primeira instância da Justiça. Os atos de ofícios são as ações do administrador público no exercício da função. Até agora, havia uma tendência de condenar o agente público apenas se ele tivesse agido no cargo para o ilícito. Mas não se só se beneficiou do crime sem usar a função oficialmente.
No caso do julgamento do mensalão, porém, o ministro Luiz Fux interpretou de forma diferente: "Não se pratica um crime desses se não se tem autoridade. Esse potencial [se beneficiar do poder do cargo, sem usá-lo oficialmente] é que caracteriza o crime. (...) O ato de ofício [o poder da caneta] é a prática possível e eventual que explica a solicitação da vantagem indevida ou seu oferecimento".
"Esse entendimento vai fortalecer o combate à corrupção no Brasil. Os membros das comissões de licitação, por exemplo, sabem agora que o enquadramento por corrupção poderá ocorrer porque receberam dinheiro, mesmo sem ter subscrito nenhum ato que favoreça determinada empresa. Parece detalhe técnico, mas vai ter uma força enorme em todo o país quando o Ministério Público começar a processar com base nessa nova interpretação, que sempre foi a correta", diz o procurador da República no Recife Wellington Cabral Saraiva, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Convenções Internacionais Contra a Corrupção do Ministério Público Federal.
Saraiva considera que o Supremo está apenas restabelecendo a força do Código Penal no capítulo da corrupção, conforme o artigo 317. "Não há nesse artigo descrição de que o agente público tem que praticar ato, a corrupção já se caracteriza quando [o agente] solicita a vantagem em razão da função. Essa é a questão-chave, o STF está resgatando a interpretação tradicional."
A conduta do STF foi contestada pelo criminalista Alberto Zacharias Toron, que defende o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado no julgamento. "Os ministros caminham numa linha de profunda flexibilização, tanto do Direito Penal quanto do processo penal, afastando garantias que são caríssimas à própria democracia", diz ele.
O procurador José Carlos Cosenzo, do Ministério Público de São Paulo, observa que o Supremo "está deixando bem claro que acabou essa história de que precisa de ato de ofício para condenar". "Não vejo risco às garantias."
Para o delegado da Polícia Federal Milton Fornazari, mestre em Direito Penal, o ato de ofício só será relevante para que o juiz decida se aumenta ou não a pena de prisão em um terço, conforme o artigo 317. Ou seja, usar oficialmente o cargo para praticar atos de corrupção será um agravante e não a única condição para a condenação.



