
Um grupo formado por 30 representantes do Ministério da Defesa, do governo do Pará e de entidades civis começa amanhã a vasculhar 17 locais onde possivelmente estão enterrados os corpos de 67 militantes do PCdoB que integraram a Guerrilha do Araguaia grupo armado de esquerda que existiu entre 1966 e 1974, no Sul do Pará e Norte do Tocantins. Os guerrilheiros pretendiam derrubar o governo militar e instalar o comunismo no Brasil, mas foram mortos por integrantes do Exército.
Até hoje os corpos da maioria dos guerrilheiros mortos ainda não foram encontrados. A ossada de apenas dois guerrilheiros já foram identificadas: a de Maria Lúcia Petit e a de Bergson Gurjão Farias. Bergson foi reconhecido depois de testes de DNA feitos no mês passado. As famílias dos outros desaparecidos lutam há décadas para encontrar o corpo dos seus parentes.
As escavações que começam amanhã vão ser feitas nos municípios de Marabá, São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, no Pará; e em Xambioá, em Tocantins. No início de julho, o Exército tinha definido 14 pontos para escavações. Porém, depois de que familiares dos desaparecidos, com a ajuda de mateiros da região, começaram a buscar novas informações sobre as mortes, outros três locais entraram na lista de pontos a serem vasculhados em busca de corpos. Neste mês, vão ser escavados, pelo menos quatro pontos onde corpos podem estar enterrados: Tabocão, DNER, Matrichã e Água Branca (veja mapa ao lado).
Devem participar do trabalho de procura dos corpos um grupo de militares, antropólogos, geólogos, médicos-legistas e observadores nomeados pelo Ministério da Defesa, além de familiares das vítimas. O general Mário Lúcio Alves de Araújo, coordenador logístico designado pelo Exército, explica que novos pontos de escavações podem surgir durante a procura. "Pode ser que surjam novos dados, indícios fortes, que então serão submetidos ao grupo para que sejam incluídos ou não entre os factíveis de encontrar restos mortais", disse o general em entrevista à Agência Brasil, do governo federal, em junho.
Antes de começar a remexer a terra, o grupo deve usar um equipamento de rastreamento para definir precisamente onde escavar. "Vamos limpar o terreno, passar um radar de penetração terrestre [GPR ou Geo-Radar] capaz de fazer a leitura do terreno, em busca de alvos [vestígios], a uma profundidade de até dois metros", explicou Araújo no mês passado.
Apesar do empenho e das novas informações levantadas, o grupo tem consciência do quanto será difícil encontrar os desaparecidos. "Nem todos serão encontrados", prevê o ouvidor do grupo de trabalho indicado pelo governo do Pará, Paulo Fonteles Filho.
Mateiros
O Exército já fez dezenas de vistorias na região do Araguaia atrás dos corpos desaparecidos, mas nunca encontrou nada. Desta vez, as famílias dos guerrilheiros estão animadas com a possibilidade de êxito porque os mateiros da região estão colaborando.
A definição de quais locais devem ser escavados em busca das ossadas partiu de documentos do próprio Exército e, principalmente, pelas informações fornecidas pelos mateiros. Nas décadas de 60 e 70, eles auxiliaram os militares muitas vezes sob tortura a localizar os guerrilheiros na mata.
Por décadas, os mateiros não quiseram falar sobre o assunto. Mas, desta vez, o que motivou o grupo a falar o que viram e ajudaram a fazer para exterminar com a guerrilha foi uma entrevista de Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, ao jornal O Estado de São Paulo, neste ano.
Curió apresentou documentos escondidos durante 34 anos. Ele foi um dos responsáveis pelo extermínio da guerrilha e comandou tropas no encalço dos militantes. Graças às informações reveladas por ele há dois meses, descobriu-se que o Exército executou sumariamente 41 guerrilheiros. Até então, o número estimado de execuções era de 25 pessoas, segundo levantamento de organizações de Direitos Humanos. Nunca antes o Exército ou algum integrante do órgão havia admitido uma campanha para exterminar os guerrilheiros. Com o major Curió dando detalhes, os mateiros ficaram à vontade para contar o que sabiam. O vice-presidente da Associação dos Torturados do Araguaia, Sezostrys Alves da Costa, conta que até 2003 eram frequentes as visitas de militares da reserva para entregar cestas básicas e manter o pacto de silêncio com os mateiros.



