Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Ditadura

Comitês estaduais pressionam a favor da Comissão da Verdade

Idealizado pelo governo federal, projeto do grupo que vai resgatar fatos do regime militar do Brasil está parado há um ano

Pires, uma das vítimas do regime militar, diz que em todos os países os torturadores foram punidos, menos no Brasil | Marco André Lima/ Gazeta do Povo
Pires, uma das vítimas do regime militar, diz que em todos os países os torturadores foram punidos, menos no Brasil (Foto: Marco André Lima/ Gazeta do Povo)

Aguardando votação no Congresso Nacional desde maio do ano passado, o projeto do governo federal que cria a Comissão da Verdade – que vai apurar a história da repressão durante a ditadura militar – continua longe de ser unanimidade. Militantes contra o regime militar e setores das Forças Armadas divergem sobre vários pontos da proposta, entre eles quem deve fazer parte da comissão e se o grupo terá poder de apontar culpados e pedir providências à Justiça em relação a casos, por exemplo, de tortura – situações que foram anistiadas no país. Na tentativa de pressionar os parlamentares a alterar o texto original do projeto, comitês locais estão sendo criados em todo o Brasil, inclusive no Paraná. O objetivo deles é claro: garantir que os crimes cometidos entre 1964-1985 não sejam encobertos mais uma vez.Nos bastidores, o Executivo vem se articulando para aprovar a proposta no Congresso o quanto antes, evitando que o texto sofra alterações e provoque ainda mais desgaste político. A presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura militar, tem interesse especial na aprovação do projeto, uma vez que foi ela a idealizadora da matéria quando chefiava a Casa Civil no governo Lula – em seu discurso de posse, ela disse não ter ressentimentos e rancores da época.

Para garantir que antes da votação no Congresso a matéria passe por um amplo debate, 18 comitês estaduais estão se articulando para discutir meios de mostrar à sociedade a importância de trazer à tona os acontecimentos do regime militar. A intenção é repetir a estratégia utilizada no período final da ditadura, quando a pressão dos opositores forçou o governo a promulgar a Lei da Anistia, em 1979.

Resgate da história

Coordenador do Comitê Paranaense pela Verdade, pela Memória e pela Justiça, Narciso Pires foi torturado, sequestrado e preso por seis vezes durante a ditadura militar. A acusação contra ele, que foi obrigado a viver na clandestinidade a partir de 1970, era de tentar reorganizar o Partido Comunista Brasi­­leiro no Paraná. "Desvendar esse processo histórico é uma responsabilidade do conjunto da sociedade. Foi assim em todo o mundo, inclusive na América Latina, e tem de ser assim no Brasil", defende.

Um dos pontos do texto mais criticado por Pires diz respeito à impossibilidade de punição a torturadores que forem desvendados a partir dos depoimentos que serão colhidos pela comissão – a medida foi uma forma encontrada pelo governo para esfriar o ânimo dos militares, que veem o mecanismo como retaliação. O tema divide inclusive o meio jurídico uma vez que, apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido em 2008 que a Lei da Anistia impede julgamentos de atos praticados durante o regime militar, convenções internacionais ratificadas pelo Brasil determinam a punição de pessoas que cometeram crimes de lesa-humanidade, considerados imprescritíveis.

"Tortura não é um crime político, mas um crime comum e contra a humanidade. Eles co­­meteram crimes inclusive pela ótica da ditadura, que não tinha nenhuma legislação que garantia a tortura como método investigativo", afirma Pires. "Por que no Brasil tem de ser diferente, se em todo o mundo os torturadores cumprem pena e estão na cadeia?"

Pires afirma ainda que o STF mentiu e errou de forma grosseira ao referendar a Lei da Anistia sob o argumento de que tudo foi feito a partir de "negociação com a sociedade". "O argumento de que a Lei da Anistia foi negociada com a oposição é mentiroso. Todos nós militamos na época e jamais fomos consultados", critica. "Além disso, enquanto todos os militares foram de fato anistiados, apenas 17 dos 56 presos políticos à época foram beneficiados pela lei. A maioria deixou a prisão por cumprimento de pena." Para ele, isso mostra que é inaceitável a postura dos militares de exigir que a Comissão da Verdade também investigue eventuais crimes cometidos por opositores à ditadura.

Sem revanchismo

Um dos principais argumentos de representantes das Forças Ar­­madas para desqualificar a Co­­missão da Verdade é de que o sentimento de revanche move os defensores da criação do grupo.

Pires rebate esse posicionamento e afirma que os perseguidos pela ditadura querem que os militares sejam processados judicialmente, dentro do processo legal e democrático. "Revan­­chismo seria se nós quiséssemos que os torturadores passassem pelas mesmas torturas que nós sofremos. Tudo que queremos é zelar pelos direitos humanos", argumenta.

De acordo com o grupo Tortura Nunca Mais, fundado em 1985 por ex-presos políticos do regime militar, 136 militantes continuam desaparecidos e outros 298 foram mortos pela ditadura.

Procurados pela reportagem, representantes e entidades ligadas às Forças Armadas não quiseram comentar o assunto.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.