
O voto deve continuar sendo obrigatório? A reeleição para presidente deveria acabar? Quem pode financiar as campanhas eleitorais? Essas e outras perguntas fundamentais em qualquer modelo de reforma política ficaram em segundo plano ao longo das últimas duas décadas no Congresso Nacional, sequestradas pelo tema que mais interessa aos deputados federais: o sistema eleitoral para a Câmara.
"Ninguém topa mudanças que podem prejudicar a sua reeleição. Por via das dúvidas, eles sempre calculam que é melhor deixar como está", diz o cientista político da Universidade de Brasília David Fleischer, que participa de debates sobre a reforma desde o começo dos anos 1990. As tentativas recentes de mudança instalaram um clima de "guerra fria" entre os grandes partidos e de desconfiança entre os parlamentares sem grande expressão (o chamado "baixo clero") e os caciques partidários.
Nenhuma das três legendas com as maiores bancadas (PT, PMDB e PSDB) na Câmara, no entanto, defende o atual sistema proporcional com listas abertas.
Pelas regras vigentes atualmente, o eleitor opta por votar apenas no partido ou no partido e candidato ao mesmo tempo. Se o partido integra uma coligação, o voto vai para ela e cada sigla ou coligação obtém o número de vagas proporcionais à soma dos votos de seus candidatos mais os de legenda.
Petistas preferem as listas fechadas (modelo em que o eleitor vota apenas no partido); tucanos o sistema distrital misto (no qual o eleitor vota duas vezes, em um candidato do seu distrito e numa lista partidária); e os peemedebistas, o "distritão" (sistema em que os mais votados ficam com as vagas, independentemente do partido).
A vez em que se chegou mais perto de um consenso ocorreu em 2007. Na oportunidade, o então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), preparou o plenário para receber durante um mês as votações sobre um projeto de lei de reforma abrangente.
Era o momento considerado ideal para mudanças. Lula havia acabado de ser reeleito com 61% dos votos e tinha prestígio popular para pressionar a base aliada. Depois de várias discussões entre líderes partidários, decidiu-se por montar uma pauta em ordem decrescente de dificuldade de aprovação, a começar pela mudança para as listas fechadas, que seria seguida da proposta de adoção do financiamento público. Até o DEM, que indicou o goiano Ronaldo Caiado para relatar o texto, fez uma rara aliança com o PT. Ao final, foram 252 votos contrários às listas fechadas contra 181 favoráveis.
Levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos revelou que um quinto dos deputados contrariou a orientação partidária, o que foi preponderante para o resultado. A decisão "melou" a votação dos demais itens, que foram engavetados.
"O sistema de votação para o deputado é fundamental para se rediscutir o financiamento de campanha. Na verdade são os dois pontos, casados, que estrangulam a reforma", diz o juiz eleitoral e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) Marlon Reis. Um ano depois, Lula encaminhou ao Congresso uma reforma "fatiada" em quatro projetos, que não progrediram.
No primeiro ano da gestão Dilma Rousseff , a Câmara montou uma nova comissão especial para a reforma. Depois de dois anos de trabalho, o texto final elaborado por Henrique Fontana (PT-RS) condensou 11 propostas anteriores (a mais antiga, de 1995). A proposta entrou na pauta em abril de 2013, mas logo saiu por falta de acordo sobre vários itens dentre eles, a adoção de um sistema alternativo de "listas flexíveis", no qual o partido monta uma lista de candidatos e o eleitor decide se segue a ordem estabelecida votando apenas na legenda ou se quer modificá-la, votando no candidato.
Depois da tentativa frustrada e na esteira das manifestações de junho do ano passado, um novo grupo de trabalho foi montado na Câmara para rediscutir a reforma. Coordenador dos trabalhos, Cândido Vaccarezza (PT-SP) chegou a mais uma fórmula alternativa: distrital (os estados seriam divididos em regiões, nas quais seriam feitas as disputas por cada vaga), mas com votação proporcional.
"A reforma para no interesse do que é melhor para cada um, mas não acho que seja só por culpa individual dos deputados. O PT, por exemplo, emperra discussões que podem prejudicar os planos do partido de manter a Presidência da República", diz o paranaense Sandro Alex (PPS), que participou tanto da comissão especial de Fontana quanto do grupo de trabalho de Vaccarezza.
Favorito na disputa pela presidência da Câmara garante que põe a reforma em votação
Principal nome na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diz que, se for eleito em fevereiro, vai colocar em votação a reforma política na pauta do plenário por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 352/2013. O texto foi elaborado pelo grupo de trabalho coordenado por Cândido Vaccarezza (PT-SP), entre 2013 e 2014. "Vamos votar ponto a ponto, com toda clareza e transparência. Fazer uma coisa que o Parlamento tenha condições de se manifestar", disse Cunha, em entrevista à Gazeta do Povo.
A PEC prevê a realização de um referendo popular posterior à aprovação do texto pelo Congresso Nacional. A proposta contraria a sugestão da presidente Dilma Rousseff (PT), que defende a realização de um plebiscito, que ocorreria antes de qualquer decisão dos parlamentares e nortearia a elaboração do texto pelo Legislativo nacional.
"Eu sou contra o plebiscito. O referendo eu aceito. Mas é minha posição pessoal. Eu não quero terceirizar o meu poder de representação que acabei de obter nas urnas", afirma o peemedebista.
Preferência
Eduardo Cunha também declara que prefere que as eleições para deputado federal, estadual e vereador sigam o sistema do "distritão", segundo o qual são eleitos os mais votados, independentemente do partido. "Se votar isso, não precisa nem discutir fim da coligação, porque elas vão acabar por conta própria. Aí eu não preciso mais enganar o eleitor, lançar um monte de candidato que todo mundo sabe que não vai se eleger."




