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Investigação

Coronel que confessou tortura é achado morto

Paulo Malhães, que teve atuação de destaque na repressão política durante a ditadura militar, foi morto por sufocamento em casa

Malhães prestou depoimento em março à Comissão Nacional da Verdade, em que relatava ter participado de prisões e torturas | Daniel Marenco/ Folhapress
Malhães prestou depoimento em março à Comissão Nacional da Verdade, em que relatava ter participado de prisões e torturas (Foto: Daniel Marenco/ Folhapress)

O coronel da reserva Paulo Malhães foi encontrado morto ontem dentro de sua casa, num sítio do bairro Marapicu, zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O militar da reserva teve atuação de destaque na repressão política durante a ditadura militar. Ele é ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) e, em depoimento na Comissão da Verdade, assumiu o envolvimento em torturas, mortes e ocultação de corpos de vítimas da repressão. Foi a primeira vez que se confirmou as práticas de tortura na chamada Casa da Morte, em Petrópolis.

Em outra ocasião, Malhães admitiu ter recebido uma ordem de missão para ocultar o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, que estava enterrado no Recreio dos Bandeirantes. A família de Paiva luta há 43 anos para descobrir o paradeiro do ex-deputado, morto em janeiro de 1971.

Segundo a filha de Malhães, Carla, três pessoas entraram na casa do ex-coronel, prenderam a mulher dele num aposento e o mataram por sufocamento. O grupo levou todas as armas que ele tinha em casa.

De acordo com investigadores da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, que realizou uma perícia no local, três homens invadiram a residência de Paulo Malhães na tarde de quinta-feira. Ele ficou em poder dos invasores das 13 às 22 horas, segundo o relato de testemunhas. Dentre elas, a viúva do ex-coronel, Cristina Batista Malhães: "Eu fiquei amarrada e trancada no quarto, enquanto os bandidos reviravam a casa toda em busca de armas e munição. Não era segredo que ele era colecionador de armas", disse Cristina, enquanto era conduzida para a Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) para prestar depoimento.

Asfixia

O caseiro também foi conduzido para a delegacia. Ele ficou trancado em outro cômodo da casa, amarrado. Segundo o delegado Fábio Salvadoretti, da DHBF, não havia marcas de tiros no corpo de Paulo Malhães, apenas sinais de asfixia. "A princípio, ele foi morto por asfixia. O corpo estava deitado no chão do quarto, de bruços, com o rosto prensado a um travesseiro. Ao que tudo indica ele foi morto com a obstrução das vias aéreas."

Foi feita uma perícia no local. Policiais apreenderam na casa um rifle e uma garrucha antigas e colheram impressões digitais, que serão analisadas. Nadine Borges, integrante da Comissão Estadual da Verdade e responsável por tomar o depoimento de Malhães, cobrou uma investigação célere e disse que não pode ser tratado como crime comum.

Repercussão

O presidente da Comissão Estadual da Verdade do Rio, Wadih Damous, acredita que a morte do coronel tenha sido queima de arquivo. "Na minha opinião, é possível que o assassinato do coronel Paulo Malhães tenha sido queima de arquivo. Ele foi um agente importante da repressão politica na época da ditadura e era detentor de muitas informações sobre fatos que ocorreram nos bastidores naquela época."

Militar revelou segredos da "Casa da Morte"

Em junho de 2012, o coronel da reserva Paulo Malhães recebeu repórteres do jornal O Globo para uma entrevista de cinco horas e decidiu revelar um dos mais bem guardados segredos do regime militar: o propósito e a rotina do aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, no Rio, conhecido na literatura dos anos de chumbo como "Casa da Morte". No local, segundo Malhães, conhecido como "Doutor Pablo", podem ter sido executados pelo menos 22 presos políticos.

Na longa entrevista, Malhães revelou que a casa era chamada de centro de conveniência e servia para pressionar os presos a mudar de lado e virar informantes infiltrados, ou RX, na gíria dos agentes. O oficial não usou a palavra tortura, mas deixou clara a crueldade dos métodos usados para convencer os presos: "Para virar alguém, tinha que destruir convicções sobre comunismo. Em geral, no papo, quase todos os meus viraram. Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso. Uma casa de conveniência, como a gente chamava."(AG)

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