
O projeto de lei do Executivo que cria cotas raciais no funcionalismo público foi aprovado na última quarta-feira pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. O texto prevê que 20% das vagas em concursos da administração federal sejam reservadas para afrodescendentes. Segundo dados da Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial, 23% dos servidores federais se autodenominam negros.
Apesar de já estar prevista no Estatuto da Igualdade Racial, a política de cotas no funcionalismo público, assim como nas universidades, ainda gera controvérsias entre especialistas e a população. Um levantamento nacional realizado em agosto pela Paraná Pesquisas a pedido da Gazeta do Povo mostrou que 73,9% dos entrevistados apoiam as cotas sociais nas instituições de ensino, mas apenas 48,5% acreditam que alunos negros e indígenas devam ter o mesmo direito.
Segundo o professor Paulo Vinícius Baptista, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as cotas no serviço público são uma demanda antiga do movimento e complementam as políticas inclusivas já instituídas no estado desde 2003, existe uma lei paranaense que determina que 10% das vagas no funcionalismo sejam destinadas aos negros (veja mais no quadro). "Isso apresenta impactos significativos na entrada de profissionais negros no mercado, principalmente nas carreiras de alto prestígio social", afirma.
Ele observa que, quando a lei de cotas foi aprovada no Paraná, cerca de 20% da população do estado se autodeclarava preta ou parda e, hoje, este número cresceu para 28%, o que também justificaria uma maior reserva de vagas. "Temos uma desigualdade acumulada gigantesca. Qualquer centro de pesquisa produz dados que mostram, por exemplo, a desigualdade da população brasileira, mas no quadro desses institutos há uma população negra baixíssima", aponta, citando também o baixo índice de professores afrodescendentes nas universidades federais que, segundo ele, gira em torno de 0,5%.
Desvirtuamento
Já a advogada Wanda Marisa Gomes Siqueira, representante do Movimento contra o Desvirtuamento do Espírito da Política de Ações Afirmativas nas Universidades Federais e do Instituto de Direito Público e Defesa Comunitária Popular, defende apenas os critérios sociais para instalação de cotas. Segundo ela, essa política tem sido desvirtuada na prática, já que não há critérios estabelecidos para distinção de negros do restante da população. "Na verdade, todos nós temos sangue negro", diz.
Como exemplo desse desvirtuamento histórico da reserva de vagas no Brasil, Wanda cita uma lei da década de 1960, que instituía cotas para filhos de agricultores nas faculdades de farmácia e agronomia. "A regra vigorou durante muitos anos, mas beneficiou somente filhos de latifundiários", cita. "O espírito da lei é bom, mas o que se observa é um desvirtuamento, o que impossibilita que alunos carentes e de classe média consigam vagas", observa.



