
Iniciado há cerca de duas semanas, o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) tem tido um script quase que padrão entre os advogados de defesa da maioria dos 38 réus: tudo não passou de caixa 2 prática que consiste em não contabilizar recursos financeiros usados na campanha, configurando crime eleitoral. A estratégia pode estar sendo usada porque, caso essa seja a tese aceita pelos ministros do STF, é difícil algum dos acusados ir parar na cadeia. Por outro lado, se prevalecer o entendimento do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, os crimes vão desde formação de quadrilha a gestão fraudulenta, com penas que variam de 1 a 12 anos de prisão cada um.
Segundo Gurgel, o esquema se valeu de dinheiro público para que o PT comprasse os votos de parlamentares a fim de aprovar projetos de seu interesse na Câmara dos Deputados. Já boa parte dos advogados dos réus alega que os recursos em questão foram usados para pagar dívidas de campanhas eleitorais. Nesse caso, a punição seria a cassação do mandato dos envolvidos referente à eleição de 2002. Tais mandatos, porém, já se encerraram.
Para o advogado Fernando Gustavo Knoerr, doutor em Direito do Estado, apesar do argumento de que tudo não passou de caixa 2 ser juridicamente aceito, é moralmente reprovável. "Dizer que havia recursos que circulavam por fora da contabilidade oficial significa que havia algo de errado. Se o dinheiro fosse lícito, circula por dentro [da contabilidade]", analisa. "[Alegar caixa 2] é um argumento que socorre os réus e, se isso for de fato caracterizado, eles conseguirão se livrar [das punições]".
Já o advogado Everson Tobaruela, conselheiro da OAB de São Paulo e especialista em Direito Eleitoral, rejeita qualquer tese que considere o caixa 2 uma irregularidade de menor importância e defende que se trata de um crime grave. "Havia uma conta a ser paga pelo PT, que optou por pegar dinheiro do Banco do Brasil, que é mantido pelo povo brasileiro, para solucionar o problema. Se permitirmos esse tipo de prática, teremos o uso da máquina pública às avessas", critica. "Não estamos falando de uma simples sanção sujeita à multa ou de uma propaganda eleitoral irregular. É um crime que compromete o resultado da eleição e precisa ser punido exemplarmente."
Tobaruela ainda critica a atuação da procuradoria-geral da República. Segundo ele, se o crime de falsidade ideológica fosse devidamente apurado na época da denúncia (2005), os envolvidos já estariam condenados. Além da perda do mandato nesses casos, o artigo 350 do Código Eleitoral fala em prisão de até cinco anos, e a Lei Complementar 64, de 1990, estipula oito anos de inelegibilidade. "Isso teria evitado o desgaste a que está sendo submetido o STF e o desperdício sem propósito de dinheiro público no julgamento", afirma. "Espero que o Supremo puna os responsáveis no bolso, que é o que dói para esse pessoal, além da cassação dos direitos políticos", completa o advogado.
Lei exemplar
Ex-presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, o advogado Guilherme Gonçalves contesta as análises de que as questões relativas a caixa 2 e outras irregularidades eleitorais resultam em impunidade. Para ele, o Brasil tem a Justiça Eleitoral mais rigorosa e eficiente entre as democracias ocidentais. "É evidente que podemos evoluir, exigindo, por exemplo, que os doadores sejam divulgados durante a campanha", afirma. Ele diz que há um barulho de propaganda em torno da impunidade, que não é verdadeiro. "O mensalão é um caso tão complexo que não pode ser usado para comparação."
Financiamento público não acaba com contabilidade irregular
Defendido como a solução para colocar fim ao caixa 2 eleitoral, o financiamento público de campanha é visto com cautela por especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Para eles, o efeito da medida, ao contrário, estimularia a doação privada hoje no caixa um a migrar para o caixa 2.
O tema é uma das discussões recorrentes na reforma política, que há anos vem sendo negociada no Congresso Nacional. Os defensores da mudança argumentam que, além de tornar a disputa mais igual entre os candidatos, a medida acabaria com interesses privados na administração pública por parte dos doadores de campanha.
Para o advogado Fernando Gustavo Knoerr, o problema do financiamento público é que o Brasil não é um país tão rico a ponto de destinar dinheiro público a campanhas eleitorais em vez de usar para a saúde ou educação, por exemplo. "Além disso, a medida seria um incentivo ao caixa 2. Mesmo com o financiamento público, haverá candidatos que não resistirão à doação escusa", analisa.
O jurista Everson Tobaruela tem a mesma opinião. "O candidato vai receber dinheiro privado de um amigo banqueiro ou empresário e não vai computá-lo na contabilidade. Ninguém vai sair contando, por exemplo, se a quantidade de santinhos de determinado candidato está dentro do que deveria", alerta.






