
Ler jornais da época e ouvir depoimentos sobre a preparação de Curitiba para a Copa de 1950 provoca uma sensação de filme repetido em 2014. Em ambos os casos, dois fatores pesaram a favor da escolha da cidade o apoio do governo local e a qualidade do estádio. O resultado também foi similar: jogos entre seleções inexpressivas (à exceção da Espanha) apenas durante as primeiras fases do torneio.
"É preciso ficar absolutamente claro que não tivemos padrinhos nesse assunto. Se Curitiba for palco de jogos da Copa do Mundo, isso acontecerá exclusivamente porque possuímos o Durival Britto, porque o governo do estado auxiliou a CBD [atual CBF], porque temos boa administração em nosso esporte, temos grande público e grandes rendas", dizia texto publicado pela Gazeta do Povo no dia 27 de maio de 1950, a menos de um mês para o início da competição.
Governador do Paraná entre 1947 e 1951, Moisés Lupion teria garantido à Confederação Brasileira de Desportos (CBD) que a renda mínima dos jogos em Curitiba seria de 1 milhão de cruzeiros. A promessa teria sido decisiva para trazer a Copa à cidade. O valor é de R$ 1,162 milhão, em atualização monetária feita por ferramenta de cálculo da Fundação de Economia e Estatística (FEE). "Era uma referência à estimativa de arrecadação", diz Murilo Ximenes, coautor do livro 1950: O preço de uma Copa.
Nas duas partidas realizadas em Curitiba, no entanto, a arrecadação ficou em 672.180 cruzeiros para um público conjunto de 17.414 pessoas, segundo balanço oficial da CBD. Ou seja, o governo estadual precisou bancar a diferença de 327.820 cruzeiros, que correspondem hoje a R$ 381 mil.
Responsável pelas obras viárias do governo Lupion e casado com uma sobrinha do então governador, Ayrton "Lolô" Cornelsen relembra que também foram investidos outros 1,2 milhão de cruzeiros (R$ 1,4 milhão) em obras de infraestrutura para a Copa. O dinheiro teria sido aplicado em melhorias nas ruas da cidade e em pequenas obras no Durival Britto, como a construção de arquibancadas provisórias de madeira.
Mesmo com a atualização monetária, no entanto, os valores não chegam a traduzir completamente a realidade econômica da época o esforço financeiro para uma administração pública de 1950 fazer investimentos era maior.
Para 2014, o empréstimo de R$ 131 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a reforma da Arena da Baixada só saiu graças à intermediação do governo do estado. A engenharia financeira para o estádio também inclui a participação da prefeitura de Curitiba. Os acordos foram feitos em 2010 pelo então governador Orlando Pessuti (PMDB) e pelo ex-prefeito Luciano Ducci (PSB).
"Colosso de Capanema" era motivo de orgulho
Se na escolha de Curitiba como subsede da Copa de 2014 pesou o fato de que a Arena da Baixada não precisaria sair do zero, em 1950 o estádio Durival Britto e Silva era praticamente uma garantia de que a cidade receberia a competição. Inaugurado em 1947 com capacidade para 15 mil pessoas, o "Colosso de Capanema", como era chamado nos jornais, era o terceiro maior estádio do país antes da conclusão do Maracanã atrás de São Januário, no Rio de Janeiro; e do Pacaembu, em São Paulo.
"A verdade é que tínhamos um estádio de porte, mas a cidade era singela", lembra o jornalista da Folha de Londrina e da rádio CBN Luiz Geraldo Mazza, 82 anos. De acordo com relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a capital paranaense tinha ao todo 183.863 habitantes na época, sendo que 39.409 (21%) viviam na área rural. O Rio de Janeiro, que era a cidade mais populosa do país, tinha 2,3 milhões de habitantes.
Mistério
Os custos anteriores para erguer o estádio, entre 1944 e 1947, são um mistério ainda hoje. "Foi tudo por doação de material", diz João Maria Barbosa, funcionário do Paraná Clube responsável pelo acervo histórico da agremiação a última descendente do Clube Atlético Ferroviário, que na época era sustentado por funcionários da Rede Viação Paraná-Santa Catarina.
Superintendente da Rede, que administrava a malha ferroviária dos dois estados, Durival Britto e Silva teria intermediado as doações feitas por empresas usuárias das ferrovias e por isso foi homenageado dando nome ao estádio.
"A Rede tinha uma influência política enorme. O poder se deslocava pelas estradas de ferro", diz o publicitário e ex-presidente do Paraná Clube Ernani Buchmann, autor do livro Quando o Futebol Andava de Trem, sobre a história dos clubes ferroviários brasileiros. Apesar de admitir a força dos ferroviários, Buchmann descarta que o lobby classista tenha influenciado na escolha de Curitiba para a Copa de 1950. "O fato é que, de São Paulo ao Rio Grande do Sul, o único estádio apresentável era o Durival Britto."




















