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A tônica das campanhas que consagraram os presidentes da República no período pós-ditadura foi peculiar em cada eleição. Do caçador de marajás, passando pela estabilização da economia, chegando ao sonho brasileiro de redistribuição de renda, cada estratégia eleitoral tinha forte ligação com o momento. Não será diferente em 2006. A memória fraca do brasileiro e do desenrolar da atual crise política ainda pode alterar os rumos da próxima campanha eleitoral. O andamento da reforma política e o fim do ciclo de denuncismo em 2005 são apontados por pesquisadores como fatores determinantes. Mas, na defesa ou no ataque, o mote será a ética.

O professor universitário e doutor em Comunicação, Antônio Fausto Neto, estuda as relações da mídia com o poder há muitos anos e começou a publicar suas análises logo após a eleição de Fernando Collor. A dedicação ao tema lhe rendeu algumas conclusões. "Toda campanha sofre intervenções de processos nos contextos", pondera. Parece uma afirmação simples, mas é acompanhada da experiência de ver cada disputa eleitoral ser norteada pelo momento político.

Mais recentemente publicou o livro "Lula Presidente: televisão e política na campanha eleitoral", em parceria com os pesquisadores Eliseo Verón e de Antônio Albino Canelas Rubim, no qual avança sobre pontos decisivos da estratégia discursiva que levou o torneiro mecânico à vitória.

Para Fausto, é época de reciclagem. Será necessário ter sensibilidade para os fenômenos do debate público e as assessorias dos eventuais candidatos se debruçarão sobre os impactos e conseqüências da crise. Ele lembra que as campanhas são processos que têm começo, meio e fim. Portanto, apesar de alguns artifícios que são sempre reutilizados, não é possível aplicar um mesmo modelo. Nesse contexto, apesar da consagração em 2002, o discurso do presidente Lula terá de mudar. "Ele vai ter de encontrar novos pactos para fazer com a sociedade", frisa. Ele não titubeia em afirmar que a sucessão de escândalos envolvendo o PT acabou tirando a certeza da reeleição de Lula. Agora, o presidente terá de se esforçar muito para ser reconduzido.

A crise vai forçar uma reformulação na forma de fazer campanha e os estrategistas de todos os partidos já estão se ocupando com isso. Fausto lembra que a vitória de Lula já foi uma conquista pela perspectiva da comunicação. "Ele tinha 33% das intenções cativas e conseguiu mais 22%", salienta. A esperança venceu o medo, mas não convenceu. O mesmo discurso não poderá ser usado no próximo ano, especialmente diante da imagem chamuscada do governo. "Provavelmente, o PT irá se alicerçar nos indicadores positivos da gestão e tentará fugir do debate da corrupção", prevê.

Enquanto isso, a oposição tentará, de várias formas, colar a crise ao governo. "Vai ser uma campanha difícil, possivelmente a mais difícil do período pós-ditadura". As promessas não cumpridas, como sempre, serão cruzes das quais o governo terá de se defender. Para o pesquisador, não será uma campanha de conteúdos complexos e a figura do político carismático será colocada em dúvida. "A disputa se dará no embate, não no debate".

O professor universitário e mestre em Ciências Políticas, Fábio Goiris, esclarece que todo o sistema político foi atingido. "Não é só PT que está envolvido. O Severino renunciou, o Maluf está preso, o bispo que foi preso com dinheiro é do PFL, o presidente do PL renunciou", destaca. Graças a uma série de fatores – como a indefinição da reforma política e dos desdobramentos das investigações, a campanha de 2006 ainda é uma incógnita. Há dúvidas latentes como qual será a postura das empresas que sempre financiaram as disputas e até mesmo como o eleitor irá absorver todas as informações despejadas até agora pela imprensa.

Organizador do livro "Eleições Midiáticas", Sérgio Luiz Gadini, professor de Jornalismo e doutor em Comunicação, reforça que o contexto que marcou as disputas anteriores é relevante para entender os rumos para 2006. Para ele, a campanha calcada no discurso ideológico acabou com a eleição de Collor. "Naquela época dava para chamar o Lula de comunista e retrógrado. Agora esse discurso não pauta mais a campanha", avalia. A política de FHC iniciou um novo ciclo, baseado na defesa do modelo econômico. O discurso serviu para garantir oito anos de mandato, mas teria se esgotado a partir do desmonte dos serviços públicos, com as privatizações.

Lula não se elegeu com uma campanha baseada em marcas ideológicas fortes. A promessa de redistribuição de renda e de que o "o PT não rouba e nem deixa roubar" desfocou a discussão dos aspectos técnicos. "Mas não chegou a ser um discurso de transformação social", acredita. O partido tinha a herança de gestão democrática e de investimentos prioritários e se alavancou no sonho brasileiro de ver um representante popular no poder. "Em 2002, o PT não disputou, se apresentou para ganhar", dispara.

A tranqüilidade do cenário se dissipou. E muito provavelmente a estratégia petista para o próximo ano terá de ser o argumento de que controla a economia. A blindagem do presidente ainda tentará ser mantida. "Vão dizer que ele está acima das disputas políticas", enfatiza. Ou da pequenez política, como Lula se referiu na semana passada. Mas a oposição tem uma grande argumento. A fala que os petistas eram diferentes da massa política perdeu sentido. "A imagem do PT está desgastada e a oposição vai para a campanha para bater", analisa.

A importância dos marqueteiros nas eleições presidenciais anteriores deve agora ser camuflada. "As campanhas vão continuar tendo um suporte de marqueting muito forte, até mesmo por conta das dimensões do Brasil e da cultura midiatizada, mas hoje tem quem considere pejorativo ser chamado de marketeiro e isso afastou muitos profissionais". A tendência de investimentos menores nas campanhas também irá forçar reformulações na forma de fazer política daqui para frente.

Apesar de eventuais particularidades do Paraná, os três pesquisadores concordam que o discurso dominante na esfera nacional será também reproduzido no estado. "O Paraná não tem uma campanha politizada e sim amarrada no discurso nacional", sentencia Gadini. Nas disputas paranaenses, a condição de aliado do governo é supervalorizada em relação a outros estados e tendo em vista que essa estratégia teve reflexos negativos para alguns candidatos nas eleições municipais de 2004, o discurso pode ser repensado.

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