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Depois da prisão

No Rio Grande, o recomeço

Dilma Rousseff atravessou quase três décadas de atividades políticas em Porto Alegre, para onde se mudou depois de sair da prisão, em 1972, ocupando cargos da burocracia partidária ou da máquina pública. Daqueles que conviveram com ela, talvez só o Bom Baiano, apelido do então diretor do Presídio Central, cujo verdadeiro nome se perdeu no tempo, tenha acreditado que a mulher do trabalhista Carlos Araújo, este, sim, um ícone do PDT gaúcho, pudesse dar voos mais altos. Consultado na época se autorizava uma série de projetos elaborados pelos presos políticos para a cadeia da capital, incluindo aulas para presidiários comuns ministradas por Dilma, ele teria respondido: "Claro, os presos políticos de hoje podem ser os dirigentes do país amanhã."

Depois que o marido foi solto, Dilma manteve as aulas particulares, dessa vez para um peque no núcleo que pretendia reerguer o PTB no Rio Grande do Sul, mas acabaria fundando o PDT, sob a batuta de Leonel Brizola.Foi nessas aulas que Dilma desenvolveu o estilo professoral e determinado que nunca mais a abandonaria. Se, em quase três décadas de Rio Grande, ela construiu uma família, ocupou cargos importantes na administração pública (uma vez secretária municipal de Finanças de Alceu Collares e duas vezes secretária estadual de Energia e Comunicação), fez grandes amigos e aliados fiéis, também deixou um saldo de brigas e inimizades. Culpa do estilo durão e pouco flexível, incapaz de recorrer ao jeitinho, cânone do universo político, para contornar crises ou acalmar correligionários.

Dilma rompeu com o PDT em 2000, quando Brizola retirou o apoio de seu partido ao governo do petista Olívio Dutra. Dilma, que era secretária de Minas, Energia e Comunicações, chegou a recorrer à Justiça para se desfiliar. O deputado federal Vieira da Cunha (PDT-RS) diz que o afastamento foi traumático. "Ainda há um foco de resistência no partido (PDT). Nas reuniões, tenho dito que mágoa e ressentimento fazem mal à saúde", conta.

Luísa, Wanda, Stela, Marina, Ma­­ria Lúcia. Os militares abandonaram os codinomes de Dilma Vana Rousseff Linhares, em 1970, para chamá-la de Joana D'Arc ou Papisa da Subversão. "A figura feminina de expressão tristemente notável", que "ingressou nas atividades subversivas em 1967" e "jamais esmoreceu", dizem os autos do processo 366/70, guardados em um cofre do Superior Tribunal Militar (STM) du­­rante as eleições, com acesso negado até a Dilma, para, segundo os militares, não tumultuar o processo eleitoral.

Para encontrar documentos e partes dos processos, o Globo percorreu arquivos do Brasil Nunca Mais, guardados na Unicamp, e o Arquivo Público do Estado, onde repousam documentos do Dops, a polícia política. Diz o texto de indiciamento de Dilma no Dops: "Manipulava grandes quantias da VAR-Palmares. (...) Verifica-se ser uma das molas-mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários. Trata-se de uma pessoa de dotação intelectual bastante apreciável". Ela foi acusada de, entre outras atividades, ter participado do roubo do cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, de onde teriam sido tirados US$ 2,4 milhões.

O interrogatório citado pelos policiais foi extraído sob tortura. Dilma foi presa em São Paulo, aos 22 anos, pela Operação Bandei­­rantes, em 16 de janeiro de 1970, com documentos falsos.

Não consta porte de arma. Já presa, numa ocasião foi levada à casa de João Ruaro Filho e, segundo depoimento dele, assumiu a responsabilidade pelo material de esquerda encontrado.

Poucas vezes Dilma falou da tortura, mas, na carta em que pede indenização pelo tempo da ditadura, conta que foi submetida à "cadeira do dragão", onde o preso era amarrado para rece-ber choques elétricos nas orelhas, na língua e nos órgãos genitais. Dilma foi condenada em dois processos pelo mesmo crime. Recebeu pena de quatro anos em um e 13 meses no outro.

Seus advogados conseguiram baixar a pena para os 13 meses. Mas ela já tinha cumprido quase dois anos e meio na Torre das Donzelas, nome dado à ala das presas políticas do Tiradentes.

Militares

Segundo o SNI, foi encontrado um documento que mostra planos da VAR-Palmares para tirá-la da cadeia. Uma autoridade seria sequestrada para troca por presos políticos, como Dilma. Pelos depoimentos da época, Dilma ingressou na resistência em 1967, quando era noiva de Cláudio Galeno, seu primeiro marido e um dos líderes da Polop em Belo Horizonte.

Dilma saiu do movimento de estudantes e entrou nas alas operárias. A estudante de Economia partiu para o estado da Gua­nabara, unindo-se ao Colina, no fim de 1968. Em 1969, mudou-se para São Paulo e participou das tratativas para fundir o Colina e a VPR (de Carlos Lamarca) na VAR-Palmares. Já era casada com o gaúcho Carlos Araújo, líder da VAR-Palmares.

O grupo de Lamarca achava o Colina muito estudantil, e a turma de Dilma temia que o movimento se militarizasse. Antonio Espinosa disse à revista Brasi­leiros, em 2009, que Dilma só teria integrado o comando nacional da VAR-Palmares depois do racha e nunca participou do assalto ao cofre de Adhemar de Barros. Na ocasião do racha, Dilma distribuía dinheiro aos integrantes e formava os quadros de militância. Para a polícia e o juiz auditor José Paulo Paiva, Dilma "chefiou greves e assessorou assaltos a bancos" — ela nega, e não há acusação dos militares sobre ações armadas.

O depoimento de Dilma no Dops tem 19 páginas. No fim, quando a polícia pergunta se ela se arrepende, diz que não se arrepende de nada.

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