Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Sigilo violado

Do caseiro à filha do político

Impunidade fomenta repetição de violação do direito à privacidade, como a quebra dos sigilos de Francenildo e da filha de Serra

 |

1 de 2

2 de 2

Começou com um caseiro, passou pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) até chegar à filha de um candidato ao Palácio do Planalto. Escândalos nacionais que envolvem agentes do Estado em transgressões ao direito constitucional à privacidade têm se repetido nos últimos quatro anos no Brasil. E a impunidade colabora para que não haja perspectiva de que eles acabem.

Em março de 2006, Francenildo Costa, caseiro de uma mansão em Brasília, teve violado o sigilo de uma conta bancária na Caixa Econômica Federal. Seis meses depois, a Polícia Federal concluiu que a violação foi feita a mando do então ministro da Fazenda, Antônio Palocci. A intenção seria mostrar que Francenildo tinha recebido dinheiro para denunciar a presença de Palocci em festas promovidas por lobistas na casa em que trabalhava.

No ano passado, o STF arquivou o pedido de abertura de investigação contra o ex-ministro feito pelo Ministério Público Federal. Após a votação, que acabou em 5 a 4, o ministro Marco Aurélio Mello desabafou. "A corda sempre estoura do lado mais fraco", disse.

Até os "mais fortes", no entanto, sofrem com abusos. Em 2008, o então presidente do STF, Gilmar Mendes, teve gravada ilegalmente conversa com o senador Demós­tenes Torres (DEM-GO). O grampo teria sido feito por alguém ligado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas a investigação não identificou qualquer suspeito.

Na semana passada, foi a vez de Verônica Serra, filha do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, virar protagonista de um novo crime contra a privacidade. O contador Antonio Carlos Atella Ferreira assinou uma procuração falsa, com a qual foram violadas informações sigilosas de Verônica junto à Receita Federal. O caso ocorreu em 2009, mas só foi divulgado terça-feira. O PSDB afirma que o PT estaria coletando informações para usar na eleição; o PT nega.

"A gravidade não está no parentesco ou na posição social de quem foi atingido, mas na falta de garantias a todos os cidadãos", diz o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Mozart Valadares. Para ele, além da punição judicial, é necessário que o Estado seja mais rápido nas sanções administrativas, como afastamento e demissão dos envolvidos. "O próprio secretário da Receita [Otacílio Cartaxo] admitiu que a quebra de sigilo ocorreu de forma fraudulenta. Independentemente de estarmos ou não em um período eleitoral, a sociedade espera uma resposta mais eficaz."

Na mesma linha, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, diz que a sucessão de crimes contra a privacidade é fomentada pela falta de punições. "A impunidade é o fermento desse tipo de desvio." Segundo ele, é preciso preservar a imagem do Estado democrático de direito como uma figura "libertadora" e não "opressora".

O professor de ética e filosofia política da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, explica que a burocracia é o núcleo central das democracias modernas. E que os dois eixos que regem uma burocracia autônoma aos governos são a hierarquia e o sigilo. Para Romano, ambos foram afetados nos escândalos recentes.

"O que você tem em comum em todos esses casos é uma desobediência do escalão inferior da burocracia e uma falta de penalização da superior." O professor também alerta que o maior risco da violação de sigilo fiscal é afetar a legitimidade da arrecadação de impostos.

Na opinião da professora Vera Karam Chueiri, do Núcleo de Estudo de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná, é perigoso focar a questão sobre um aspecto político-eleitoral. "Estamos em um período sensível, mas a situação precisa ser investigada como um vício maior. Digamos que o crime é um fato plantado. Ou que ele realmente aconteceu. Para evitar distorções, esse deve ser um tema de Estado."

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.