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Justiça

“Ginástica jurídica” ameaça sepultar a Lei da Ficha Limpa

Julgamento no STF deveria definir se a legislação vale a partir de 2010 ou de 2012. Mas presidente do Supremo incluiu argumento que derrubaria para sempre as novas regras eleitorais

Toffoli: pedido de vista, em meio a bate-boca, adiou para hoje o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa | Gil Ferreira / STF
Toffoli: pedido de vista, em meio a bate-boca, adiou para hoje o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa (Foto: Gil Ferreira / STF)

Brasília - Um "salto triplo carpado hermenêutico" – argumento jurídico digno de um movimento acrobático da ginástica olímpica, na definição do ministro Carlos Ayres Britto – provocou ontem um bate-boca no Supremo Tribunal Federal (STF) e adiou o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A "ginástica jurídica", segundo as palavras de Britto, acrescentou ainda uma nova tese na discussão sobre o assunto, que pode derrubar a Ficha Limpa não só para estas eleições, mas para todas as demais. Até então, o que vinha sendo discutido no Supremo eram alguns critérios para barrar candidatos e, principalmente, se a legislação valeria já em 2010 ou a partir de 2012. A lei, em vigência desde junho, está barrando a candidatura de políticos condenados por um colegiado de juízes.

O presidente do STF, Cezar Peluso, afirmou, durante o julgamento, que a legislação fere a Constituição devido a uma falha técnica na tramitação da lei no Congresso Nacional. Essa falha não estava sendo formalmente questionada no julgamento. O argumento de Peluso foi definido por Britto como uma manobra jurídica digna de ginastas olímpicos, que fazem "saltos triplos carpados". Peluso não gostou da comparação, houve discussão e a sessão acabou sendo suspensa por um pedido de vista do ministro José Antônio Dias Toffoli. Ele prometeu retomar o processo hoje.

O julgamento tratava especificamente do recurso da cassação do registro do candidato a governador do Distrito Federal pelo PSC, Joaquim Roriz. Com base na nova lei, que criou mais restrições para políticos com problemas na Justiça disputarem as eleições, Roriz foi impedido pelo Tribunal Regional Eleitoral do DF de concorrer. Em 2007, ele renunciou ao mandato de senador para escapar da cassação – uma das atitudes punidas com a inelegibilidade, de acordo com a nova lei, aprovada neste ano.

Ontem, os ministros confirmaram que a sentença sobre o caso de Roriz terá repercussão geral. Ou seja, será aplicada para todos os demais candidatos prejudicados pela nova legislação, em vigor desde junho. Só no STF, há 1,7 mil recursos similares ao de Roriz.

A defesa do candidato pediu ao STF a análise da constitucionalidade da lei sob três aspectos. O primeiro é saber se ela pode ser aplicada nas eleições deste ano – há entendimento de que ela precisaria ter sido aprovada um ano antes do pleito para valer em 2010. Depois, se quem renunciou pode mesmo ser considerado inelegível. E, por último, se ela pode retroagir e ser aplicada em situações anteriores à data da sua promulgação.

Relator do processo, Ayres Britto votou contra o recurso de Roriz e pela validade da lei já em 2010. "Como se pode exigir que uma lei protetora da probidade só entre no ano subsequente de sua promulgação? O cumprimento da probidade, da moralidade, pode esperar? Um dia que seja pode ser de prejuízo", disse Britto.

Durante o voto, comparou as eleições aos concursos públicos, em que os candidatos precisam comprovar que têm uma vida pregressa ilibada. Defendeu que a lei, ao tratar de temas políticos, pode sim retroagir. E criticou aqueles que defendem a renúncia para fugir da cassação como algo legítimo.

"Quem abre mão do mandato que lhe foi conferido pelo povo trai ao mesmo tempo o cargo, o partido e o eleitorado que contou com a expectativa de contar com o seu mandato cheio", sustentou. Segundo ele, Roriz "abortou" a possibilidade de sofrer uma condenação dos próprios pares ao renunciar. Em 2007, o candidato foi flagrado por escutas telefônicas da polícia negociando a partilha de R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB), Tarcísio Franklin de Moura, preso durante a Operação Aquarela.

Ayres Britto foi o único a votar. Logo depois, foi interrompido por Peluso, que não utilizou nenhum dos argumentos solicitados pela defesa de Roriz para alegar a inconstitucionalidade da lei. Para ele, o problema decorre de uma mudança feita no projeto pelo Senado e que não foi aprovada pela Câmara dos Deputados.

Como a proposta começou a tramitar na Câmara, ela precisaria ser apreciada outra vez pelos deputados em caso de alterações aprovadas pelos senadores. Durante as discussões, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) conseguiu aprovar uma emenda à matéria que mudou os tempos verbais de trechos da lei. Partes que citavam a expressão "tenham sido condenados" foram substituídas por "os que forem condenados".

"É um caso de inconstitucionalidade formal", disse Peluso. O posicionamento gerou uma discussão acalorada no tribunal e levou Ayres Britto a comparar a manobra do presidente do STF a um "salto triplo carpado hermenêutico". Peluso disse que a comparação era muito boa apenas para a propaganda.

O acalorado debate que se segiu reforçou a tese de que o resultado do julgamento da Lei da Ficha Limpa será apertado. Ao lado de Ayres Britto, manifestaram-se Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Com Peluso, devem ficar Celso de Mello, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.

Estariam indecisos Toffoli e Ellen Gracie. Como Eros Grau aposentou-se em agosto e o presidente Lula prometeu indicar um substituto somente após as eleições, há grandes chances de haver empate. Nesse caso, pode ser aplicado o regimento interno, que indica que o presidente poderia desempatar a votação. Para isso, Peluso teria de votar duas vezes e, assim, derrubar a lei.

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