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Cidadania

O poder que emana do povo

Mobilizações para expressar indignação, como o movimento Paraná Que Queremos, ou para prestar solidariedade a pessoas que tiveram suas casas devastadas pelas chuvas são cada vez mais comuns e indicam um despertar do brasileiro

Manifestação do movimento Paraná Que Queremos na Boca Maldita, no dia 8 de junho, é exemplo de participação cidadã nos rumos do país | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
Manifestação do movimento Paraná Que Queremos na Boca Maldita, no dia 8 de junho, é exemplo de participação cidadã nos rumos do país (Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo)

Um visitante estrangeiro que não sabe nada sobre o amor do brasileiro pelo futebol acharia que somos cidadãos dos mais dedicados ao ver nas ruas pessoas enroladas em bandeiras verde-e-amarelas, so­­prando vuvuzelas e deixando o tra­­balho em bandos para assistir aos jogos do Brasil na Copa do Mundo.

Torcer fanaticamente pela seleção canarinho é, sim, um ato de amor ao país. Mas nem todo torcedor se importa com o mesmo grau de paixão por outros aspectos da vida em sociedade no país que seu time representa. É só lembrar dos atos de barbárie praticados por alguns membros da torcida organizada do Coritiba no estádio Couto Pereira no fim do ano passado.

O exemplo revela uma diferença fundamental entre ser brasileiro e ser cidadão brasileiro. "A cidadania se diferencia da nacionalidade porque esta supõe a mera qualidade de pertencer a uma nação, enquanto o conceito de cidadania pressupõe a condição de ser membro ativo do Estado para tomar parte em suas funções", escreve Alzira Alves de Abreu na introdução do livro Caminhos da Cidadania, publicado recentemente pela Edi­­tora FGV, uma compilação de artigos sobre a organização política brasileira.

A doutora em Sociologia pela Universidade Paris V – Sorbonne e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História do Brasil Contemporâneo da Fundação Getúlio Vargas FGV teve a ideia de organizar o livro ao perceber um grave desconhecimento da população brasileira sobre questões que deveriam fazer parte de seu repertório básico. "A percepção é de que a maior parte das pessoas, até mesmo professores e jornalistas, não sabe ou sabe vagamente, por exemplo, como funciona o Poder Legislativo ou como os deputados são eleitos", conta.

Saber como funciona a organização política de seu próprio país é algo que o cidadão deveria aprender já nos bancos escolares juntamente com noções como solidariedade, senso de participação e respeito ao próximo. "Falta esta educação cidadã no currículo das es­­colas, que já existe em muitos países", diz Alzira.

Um povo desinformado sofre com sua ignorância. É só lembrar da série de irregularidades cometidas na Assembleia Legis­­la­­tiva no Paraná que há cerca de três meses vem sendo denunciada pela Ga­­zeta do Povo em parceria com a RPC TV. A investigação, no en­­tanto, foi acompanhada com interesse pela população, que aderiu ao movimento O Paraná Que Que­­remos, encabeçado pela seção paranaense da Ordem dos Advo­­gados do Brasil (OAB-PR).

Uma manifestação organizada no último dia 8 reuniu milhares de paranaenses em 13 cidades do Pa­­raná, para exigir a moralização política da Assembleia. "Essa campanha não iria longe se não houvesse a participação do cidadão e de centenas de instituições que colocaram o seu nome no manifesto publicado na Gazeta do Povo", diz José Lúcio Glomb, presidente da OAB-PR.

A cidadania plena depende de uma caminhada que, aos poucos, começa a ser trilhada. "A gente passou por momentos difíceis durante a ditadura militar, em que não tinha direitos, então, vive um processo de construção da cidadania", lembra Alzira, referindo-se ao período de ditadura militar enfrentado pelo país.

Ela e Glomb citam como exemplo deste despertar do brasileiro para a defesa dos interesses coletivos a aprovação da lei Ficha Limpa, que torna inelegíveis candidatos condenados por crimes graves. A lei é resultado de um projeto de iniciativa popular apresentado na Câmara em setembro do ano passado, que teve o apoio de milhares de brasileiros.

O presidente da OAB-PR considera que movimentos como O Paraná Que Queremos são atos pedagógicos para que o cidadão brasileiro se habitue a manifestar publicamente sua indignação diante da má atuação dos políticos que elegeu para representá-lo. "E, em um segundo momento, aprenda a escolher me­­lhor os seus representantes".

Quero meus direitos

"Exijo meus direitos", lembra Al­­zira, é uma frase que as pessoas costumam usar quando se sentem injustiçadas. Mas se esquecem que para ter direitos é preciso cumprir deveres. "É claro que é preciso começar respeitando as leis, é de chamar a atenção como as pessoas não as respeitam, mas também é preciso ter solidariedade", diz Alzira.

Solidariedade é uma das palavras que os quase 230 mil voluntários da Pastoral da Criança conhecem bem. Os líderes comunitários, como são chamados, acompanham 1,5 milhão de crianças po­­bres menores de 6 anos nas próprias comunidades onde vivem. A ação destas pessoas, a maioria tão pobres quanto as famílias que visitam todos os meses, é um dos maiores exemplos de que a voluntariado ajuda a construir capital social.

"Cidadania é a arte de conviver em sociedade, e que supõe atitudes colaborativas diárias. Por isso, a Pastoral da Criança tem como objetivo ajudar as famílias e comunidades a cuidar da saúde das gestantes e das crianças para reduzir a mortalidade infantil, a desnutrição, a violência dentro de casa, e promover o desenvolvimento integral da criança", explica Clóvis Boufleur, gestor de Relações Institucionais da Pastoral da Criança.

Em plena crise econômica, em 2009, o presidente norte-americano Barack Obama criou uma lei de fortalecimento do voluntariado e convocou todos os cidadãos de seu país a fazer a sua parte. Um pedido desses seria bem recebido no Brasil? Talvez não, diante de uma falácia bastante difundida por aqui de que ações de desenvolvimento são pa­­pel unicamente do Estado e que um voluntariado ativo é sinal de incompetência dos administradores públicos.

Os economistas Amartya Sen, Prêmio Nobel de economia em 1988, e Bernardo Kliksberg refutam facilmente essa ideia. "Em uma sociedade democrática, o Estado é o principal responsável por garantir a todos os cidadãos os seus legítimos direitos à nutrição, saúde, educação, moradia e emprego. Mas isso não exime os demais agentes sociais. O voluntariado, que representa a sociedade civil em ação, pode complementar e enriquecer as políticas sociais", escrevem no livro As Pessoas em Primeiro Lugar (Cia. das Letras).

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